Capítulo 2 - A decisão definitiva

Foi naquele momento, sentado em um banco artificial, comendo um pão artificial com algo morto dentro, artificial, que decidi algumas coisas em relação a minha maneira de viver a vida. Decidi que iria encontrar provas concretas da não existência de Deus provando que a religião a qual eu pertencia, assim como as demais, não leva a nada. Outra decisão era relacionada com a maneira com que eu ganhava dinheiro. Mudaria, a partir de então, minha maneira de encarar as pessoas. Os conceitos formados em minha mente, as idiossincrasias, assim como meu senso e escrúpulos, que também teriam de ser revistos.

Tinha plena consciência de que essa mudança de atitude resultaria em mudanças drásticas com as quais eu, dono da nova atitude, deveria arcar. Da mesma maneira que em uma cirurgia. É preciso executar a incisão e só depois realizar o conserto. Envolve anestesia, remédios para o pré e pós-operatório. Exames, sangue e dor. Mas, se for realmente necessário, será feito. Uma decisão de tamanho peso tem de ser tomada por um médico habilitado, que assumirá a responsabilidade por tudo, e, principalmente, pelo seu paciente (Esse é outro exemplo daquelas coisas que sempre vêm à mente). Em alguns casos, o poder de decisão vai além. Lembro-me de um caso contado a mim, pelo meu pai, a respeito de sua mãe, minha avó. Durante uma crise nervosa, nossa matriarca teve de ser internada para preservar sua integridade física e a dos que viviam a sua volta. Por um tempo que eu não saberia precisar, ela foi mantida com medicamentos, até que, um dos psiquiatras sugeriu algo tremendamente abominável: ECT (choque). Esse procedimento envolvia um risco muito grande para a paciente e a decisão de ir em frente ficou a cabo de meu avô, um velho decrépito de hábitos nada morigerados. Embora médicos e especialistas garantam a eficácia e genuinidade do assustador tratamento, cujo aproveitamento positivo chega a 80 % dos pacientes, sempre fica na mente a dúvida gerada por três fatores principais. Primeiro, o mau uso desse tipo de tratamento por médicos e enfermeiros que ameaçavam pacientes que não se comportavam. O pior que, analisando esse motivo, fica evidente o quanto é espúrio, já que o tratamento por choque, quando utilizado corretamente, é indolor. Talvez valesse mais como efeito desmoralizante. Segundo, a psiquiatria é uma especialidade médica que permite, muitas das vezes, a livre comunicação do paciente, embora esse não esteja em condições de avaliar suas condições mentais, sendo cabíveis, assim, denúncias exageradas de pacientes ansiosos por uma rebelião onde se culpa os médicos pela doença mental. Podem estes se considerarem inocentes e forçados a se tratar. É preciso considerar que muitos deles, podem até ter razão. E, terceiro, a mídias que, através de filmes, teatro e outros meios de comunicação, vêm impondo uma maneira esgueirada de avaliar o caso. Entretanto, alguns autores desse tipo de ficção poderiam ter encenado um relato totalmente verídico e, por vezes até biográfico do ocorrido.

Enquanto o patriarca, friamente, imagino, deve ter raciocinado da seguinte maneira: se eu não autorizo, ela poderá ficar sempre nesse mundo inóspito e distante chamado insanidade, se eu autorizo, passará a ter boas chances de voltar, como também de morte. Assinou a autorização de execução, ou melhor, de tratamento e tudo terminou bem, como nos melhores filmes americanos. Afinal, quem nunca teve de passar por uma cirurgia, que pode ser considerada mais invasiva que um ECT? Conta com indução anestésica e abertura da pele por corte utilizando-se instrumento cortante, ocasionando em perda de sangue, risco de infecção e riscos específicos para cada tipo de cirurgia. Livrando-se das garras obscuras da insanidade, minha avó pôde continuar sua longa e cansativa trajetória de uma vida conturbada e cheia de brigas e discussões.