Soro da verdade
Estava lendo Rubem Fonseca. O acadêmico foi durante bom tempo da Polícia Federal, o que lhe trouxe inegável experiência para executar sua obra. “Agosto” é um bom exemplo.
Manhã de domingo, fria, manhã preguiçosa quase na hora do tinto português, com pão que fiz ontem. Como? Vocês não sabem fazer um bom pão de centeio, sujar as mãos da massa, ir trabalhando até ela fica elástica, amassada e sovada na pedra mármore limpa com cuidado? À medida que vai ficando mais elástica, limpa sua mão, que acaba sem vestígio do trigo, centeio e água. Descansa coberta até dobrar de tamanho e forno pré-aquecido, a duzentos e cinquenta graus. Em vinte minutos está pronto, levando uma borrifada d’água quando estiver assando.
Nada tem uma coisa com outra, mas enquanto preparava o bendito pão, lembrei de conversa que tive com um delegado de polícia.
Falávamos sobre a violência em interrogatórios, com franqueza e honestidade.
- Nunca espanquei um preso, Jorge. Uns tapas estou cansado de dar.
- Nem uma ameaça séria?
- Nem isso. Tem preso que merece morrer, mas felizmente nunca topei com um desses pela frente. Mas deixa eu contar uma.
Escutei, claro. O homem sabia de casos e mais casos.
- Teve um sem-vergonha que sabia tudo sobre um crime. Não participou, mas era a melhor testemunha. Encontrei Roulien, tinha voltado dos Estados Unidos, num mais um curso que fez.
- Já ficou nos States oito anos.
- Pois então! Contou sobre o soro da verdade, a escopolamina, em moda por lá.
- E...
- E que me deu um frasco. Inofensivo, dizem que o cara fala até o nome da parteira. Injetável, o cara morreu de medo, brigou, não parou quieto, mas acabou levando a picada.
- Funcionou, Wolney?
- Beleza de funcionamento. O infeliz ficou numa euforia só. Contou casos com sambistas famosas, piadas, transformou a porra da delegacia num circo.
- E você?
- Eu? Deixei rolar. Havia dado droga ao safado. Passou o efeito ele só bebeu muita água. Não falou nada!
Querem saber? Nem sei direito porque estou falando isso. Talvez pelo primeiro copo do tinto, do domingo silencioso e da massa de pão que já não pega mais nos meus dedos.
Está descansando...