JOGUEI TUDO FORA
Joguei tudo fora! O que me lembrava de imediato do bem perdido: fotos, paisagens, leituras, vídeos. Nada queria rever. Antigamente, se dizia que “o que os olhos não vêem o coração não sente”. Deve ser verdade, porque mesmo sem rever, sem nada abrir, a dor ainda está ali, diante de mim.
Juan-David Násio diz que “o que dói não é perder o ser amado, mas continuar a amá-lo mais do que nunca, mesmo sabendo-o irremediavelmente perdido”. O que posso fazer, então, além de jogar tudo na lixeira do computador? Pudesse jogar na lixeira do cérebro e “isso” não viesse à tona! Não, essa lixeira inconsciente nos fustiga e volta a toda hora nos sonhos, em outros significantes.
Mesmo na mais densa noite de sono profundo, havendo um meio, um botãozinho de “desligar”, ainda assim, não se esquece! Se alguém pudesse negociar uma descoberta de algum STOP, mais que comprimidos pra depressão, aposto que seria objeto de primeiríssima necessidade e um dos mais vendidos, porque toda essa dor nos leva à repetição: Pensamentos e desejos obsessivamente repetidos por conta dos impedimentos; a cada certeza da interdição cresce o “amar mais do que nunca”.
Arranjamos desculpas, criamos expectativas, formulamos situações irreais, imaginamos a presença balsâmica. Mas nada nos faculta uma migalha da presença do amado.
De repente a saudade volta, bate à porta, sacolejada pela solidão e pelo que silencia. Por uma simples palavra dita, uma frase ou uma música lembrada. E mais uma vez estamos ali, bem diante da ausência. Tudo já foi respondido, até o mesmo o porquê de não ter mais o que nunca tivemos, mas negamos. Porque melhor a esperança de uma fantasia do que o esfacelamento de uma impossibilidade.
Melhor morrer criando expectativas, do que acreditar na perda de uma esperança... E lá vamos nós... Novamente queremos parar de lembrar e lembramos que não podemos nem sequer esquecer.
E assim, penso: “Ainda bem que joguei tudo fora! Pelo menos hoje não vou repetir o desejo de rever fotos, cartas, e-mails, arquivos... Um dia a menos pra me dar conta da impossibilidade e repetir a saudade de tudo o que não tenho”.
E a lixeira inconsciente diz: Está tudo aqui... Lembra daquela voz?