FALANDO SOZINHO
Eu era cliente e não fiz nada além de reclamar algumas vezes de atendimentos ruins, de produtos estragados, de validades vencidas e pesos adulterados. Além, claro, de pedir desconto sempre que comprava à vista. Aí, nasceu depois de muitos abusos, um código de defesa dos clientes e desde então passei a ser consumidor. Ocorre que, de lá para cá muita coisa mudou, melhorou bastante a relação em termos de lisura e as muitas vezes em que ainda há engodo severas penas são impostas pelos Procons, os grandes cavaleiros da defesa dos fracos e oprimidos consumidores.
Na época do cliente eu era chamado de rei. Podia não ter tapete vermelho, coroa nem trono, mas simbolizava um rei depois que eu mostrava que tinha lastro monetário, também conhecido como condições financeiras para pagar as compras. O tratamento do empregado ou dono do estabelecimento era especial. Educação, acima de tudo. Tinha até lugares que estampavam slogans do tipo “satisfação garantida ou seu dinheiro de volta.” A gente até podia ser enganado, mas costumava sair satisfeito só de ser bem tratado. Agora, como consumidor, o dono ou o empregado, já sabendo que eu tenho onde recorrer contra enrolação, fraude ou maus tratos, parece que não está nem aí. Esta é a sensação que eu tenho todas as vezes que entro num estabelecimento. Não há mais nenhuma pessoalidade nas relações de troca. Salvo ainda os comércios de bairro, onde a gente está quase todos os dias e acaba conhecendo todo mundo. Até e consegue trocar umas palavrinhas amistosas... “Tá frio, que calorão, será que vai chover”? Menina, você está esperando um bebê, que beleza? Será que o seu Geraldo não vai lhe demitir?” Isso, no entanto acontece nos comércios mais tradicionais, onde os empregados duram mais tempo no serviço. A maioria hoje em dia não está nem ligando para manter o emprego, tem uma padaria lá perto da minha casa que cada dia que a gente chega é uma funcionária nova. Dizem que o cara paga muito mal e ainda por cima não paga horas extras, não assina a carteira de trabalho e ainda gosta de gritar com elas. Deve ser por isso que sempre tem uns pães escuros, quase marrons, a um grau de queimarem. Ainda bem que temos três, quatro padarias no bairro e não precisa agüentar pão com gosto de carvão.
Nas grandes redes de lojas de departamentos e hipermercados, essas que vivem infernizando a nossa vida com propaganda dia e noite, seja no rádio, tv ou internet, a coisa é bem pior. Os vendedores são uns brucutus, indiferentes com quem chega ou sai e sequer nos cumprimentam. Sem contar que mal sabem explicar o funcionamento de alguma coisa. Pergunte a ele sobre características de um computador. Os recursos de um celular. Não sabem nada. Nada! Há exceções, é verdade, mas tão poucas que até agradeço quando sou bem tratado.
Outro dia eu ia no ônibus e sentou uma menina bonita ao meu lado que tinha um espelhinho na mão e um batom. Como a gente estava conversando, cada vez que a palavra passava para a minha boca ela passava o batom na boca dela. Me disse que era exigência da loja. Salto alto, brinco, batom e unhas impecáveis. Eles se importam mais com a apresentação. Tudo passou a ser vitrine. Os produtos e os vendedores. A gente fica com aquela cara de estar frequentando um desfile de marcas com gente misturada no meio. Cara de admiração vã, porque depois que chega em casa com o produto você vai ver que não sabe instalar; o manual, mesmo traduzido para o português, está numa seqüência incompreensível e acaba usando só 10% dos recursos que o aparelho lhe oferece. Sei, lá, dizem que com o cérebro da gente também é assim, então tá tudo certo.