Com o Analista de Bagé

À L. F. Veríssimo

Deixou aquelas bandas de Bagé para encontrar na capital os prazeres que haviam sumido. Em Porto Alegre de chegada esbarrou com o gaudério desgarrado, mas tão desgarrado quanto piá em visita de hospício. A estação rodoviária fervilhava em plena véspera de feriado natalino. Puxou assunto porque lhe deu pena ver aquele homenzarrão pilchado, indagando aos desconhecidos que passavam, aonde ficava a casa do L. F. Veríssimo. Estava certo de que o Brasil e o Rio Grande inteiro conheciam o cronista. Quem não distingue esse gorducho genial, composto de raro brilho e timidez? Mas também era certo que jamais colocaria o endereço na testa para qualquer criatura lhe tirar o sossego. Por sorte o jornalista conhecia os rumos dos famosos e o cronista morava próximo da Rua Eça de Queiroz, assim que um gênio puxava outro. Encaminharia o analista de Bagé para perto do seu criador, mas antes resolveu barganhar a situação. Ocasião perfeita para entrevistar o bruto. Ganharia um prêmio do jornal Folha da Hora. Estava diante dele e não perderia essa oportunidade. A redação receberia de mãos beijadas um furo jornalístico do tamanho de um estádio.

Fez um trato: primeiro você me concede a entrevista, depois lhe encaminho de táxi até a casa do Veríssimo. Ele coçou as barbas desconfiado: esse nefasto quer é consulta grátis, aposto que deve andar sofrendo dos cornos. Estremeceu na casca grossa, captando mais um caso de neurose brutal, desarranjada por amor estropiado. O mesmo andaço rebelde que havia jogado o Chico no poço, além da fortuna da herança parar na égua baia. É assim que se cria o desespero familiar, refletiu.

Rondaram atrás de recanto com pastel e cerveja pelas redondezas. Uma vida inteira só em Bagé, seguia estranhando tanto movimento. Levas de gente fugindo de um lugar para outro, como imigrantes perdidos no trânsito, sem conhecer o idioma fluente. Os viadutos abrindo buracões e barbaridades.

Sentaram finalmente num recanto familiar na Rua Voluntários da Pátria onde ninguém lhe reconheceu, exceto o travesti anão com a prostituta da perna só. O dono do lugar rogou-lhe autógrafo, estava felicíssimo por ter alguém importante na casa; além do cobrador de propinas. Prometeu descontos nas coxinhas o que enfureceu o guapo.

No bar, quando viu o repórter puxando o gravador de bolso, pespegou-lhe um relhaço de tirar sangue. Todo mundo ouviu o grito seguido de aviso: Tu não me estranha! Pode ser arma branca. Depois “neurasta” comigo não vence carreira, nem atinge idade adulta.

Foi um Deus nos acuda e mais dez para segurar o touro. “Com essas ruas enlouquecidas, isso aqui deve fabricar doido como fumaça de carro”. Mas nada que um bom laço não cure, advertiu. De repelão procurou do jornalista a informação correta sobre suas preferências sexuais prediletas. Podia ser “frescão”. Andar sublimando com ele qualquer disparate. Casos desta monta ele resolvia com facilidade, além da consulta ao dobro do preço. A resposta foi negativa, muito pelo contrário, gostava de todas. O analista cravou os olhos no sujeito, por entre um bojo de fumaça do palheiro, de onde pressentiu o conclusivo nojo intuitivo: Gostar de todas acaba por certo com algum "fetiche sujo" no meio. Jornalista, abatido, magro, desvairado pelo cansaço da fabricação de tanta matéria desgraçada no mundo; devia latir no quintal para economizar cachorro.

Com um talho na mão e um furo jornalístico não concebia como um gênio tão sutil, conseguiu criar criatura tão verborrágica e contundente, refletiu o jornalista. Pois foi como se o analista de Bagé tivesse lido o pensamento entre as entranhas do meio. Limpou os beiços de cerveja choca replicando sem volteios subjetivos: Tu não te fresqueia! Para mim esse negócio de “verborragia” é doença, doença ruim da vida.

O jornalista saltou da cadeira assustado. O homem agora estava lendo pensamento...

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