Dois relógios
Às vezes, tenho a estranha sensação de que estou sendo enganado por esta máquina, o relógio, que além de seu perfeito papel escravizador, parece ter sido alvo de sabotagem, o que não é de si duvidar, em meio a tantos golpes criativos e cada vez mais audaciosos de pessoas que procuram caminhos, para ganhar em segundos, o que levariam uma vida inteira para conseguir.
Preso a esta máquina e sufocado pelo horário, os ponteiros não andam, não se escuta o tic,tac, e sim o tic..........tac, tão lentamente, que parecem estar contra nós, como se algo os emperrasse ou um imã os impedissem de girar tão bestamente, em torno do nada e chegando a lugar nenhum, cumprindo sua função dominadora de controle do nosso tempo.
Se os ponteiros são tradicionais os digitais seguem os mesmos comandos, saltam de minutos em minutos como se fosse uma eternidade, mesmo com as baterias novas, os contatos positivo e negativo, parecem não estarem devidamente conectados. Os números se repetem e voltam a se repetir e nada de inovador, apenas controlador do nosso tempo, que lentamente vai se passando e nada nos acrescentando.
Exaustivamente me liberto, rompo as amarras, após 10 horas de luta, coloco-o a nocaute, ignoro seus poderes, prendo-o em uma gaveta, como uma prisão, deixo-o bater, pular, sem dar ouvido e me sinto poderoso, dono de mim e de meu tempo. Vingo-me de sua soberania e humilho-o, tal a subserviência a que fui submetido. Agora está em lugar que nunca deveria ter saído, penso e me alegro pelo ato praticado.
Agora sou dono e controlador do meu tempo, faço dele o que quiser, centenas são as coisas fantásticas a minha espera para serem realizadas, quantos sonhos, ideais, poderei transformar em realidade. Aproveitar todo segundo e cada minuto sem desperdício. Enquanto ele não conseguir um habeas corpus a liberdade me pertence. Mas eis que fui traído pelo tempo, passou tão depressa e o relógio despertou.