Ah, se ela quiser...
A paixão transformou o mundo. Talvez ainda não o mundo todo. Mas o meu mundo, particular, foi efetivamente transformado, em virtude dos lábios de uma mulher.
Não é difícil deduzir que existem pessoas que insistem em viver sistematicamente as ações praticadas no dia a dia. O que muitos chamam de vida burocrática. Então! Essa era a minha vida, e todas as pessoas, que por ventura me conheciam, sabiam perfeitamente.
Existia uma placa sobre a minha cabeça que avisava a todos. Eu não tinha colocado aquela placa lá, eu nem sabia quem tinha colocado, mas ela estava lá. Pois só isso poderia explicar vários fatos dos quais constituiam a minha vida em sua totalidade.
Mas, então, teve alguém que assim como eu, não viu a placa, e ela usava um vestido vermelho, muito sensual, decotado. Uma saia que insistia em revelar suas pernas bem torneadas, esculpidas pelo mais generoso e detalhista deus da beleza. Ela emitia uma luz tão intensa do seu corpo todo, que fagulhas se perdiam pelo ar, de tal modo que algum desavisado que por acaso olhasse para ela naquele instante poderia pensar que eram estrelas ao seu redor. Ledo engano. A luz prateada que pairava sobre ela também poderia ser confundida com a claridade natural da lua, mas o que acontecia era o contrário, era a lua que estava sendo iluminada por ela. Ela tinha os olhos serenos e uma respiração que parecia arder em brasa. Era a mulher mais linda que eu já tinha visto em toda a minha vida. Aquela respiração não só me confundia como parecia me deixar louco, completamente. Mas foi nas suas mãos macias que definitivamente eu morri, e nasci de novo, para ser esse novo homem.
Qual a diferença primordial entre este que agora escreve e o homem que existia antes? Em verdade, não sei.
Só que sei que as minhas noites se tornaram fogueiras, fazendo do céu um cúmplice de nossa verdade. A lua bem poderia ser seus olhos, mas então ela seria caolha, e essa crônica debandaria para a breguice completa que é amar.
Todavia, talvez seja isso. Agora me parece ter ficado claro a grande diferença que existe entre o eu hoje (depois de conhecer a maravilhosa e rara fonte de grata vida), e o eu antes de conhecer (ela). Ao me permitir amar, eu me permiti ser ridículo, ser pateta, ser brega, e daí que pude descobrir o quanto é chato não ser nada disso. Agora sim me sinto vivo de verdade. Eu sou um sorriso ambulante que parece dizer a todo mundo na rua que vale a pena. Aquele poeta tinha razão: "Tudo vale a pena se a alma não é pequena". Acho que ele estava amando alguém quando escreveu isso. Com certeza ele tinha conhecido uma mulher exatamente como a minha. Sim, agora nos pertencemos mutuamente.
Porque agora eu arrisco mais, gosto de errar de vez em quando, fiz do erro um professor, e agora acerto com consciência. Sinto-me um ser humano, finalmente completo. Se eu pudesse rolar pelo chão o mundo todo com essa mulher, eu rolaria, como fazem alguns indianos. Mas acredito que essa não seja a idéia mais romântica do mundo. Mas se ela quiser, eu quero.