VITÓRIA
Vitória era uma criança meiga, sorridente e muito aplicada aos estudos. Sempre ajudava sua mãe que tinha um medo descabido de ir para o chamado inferno – sua mãe costumava dizer que quem mente não é filho de Deus, logo não vai para o céu... Vitória queria muito ir para o tal céu que a mãe tanto proclamava.
Certa vez, ainda na infância, sua madrinha perguntou: “Quem chupou as balas de São Cosme e São Damião?”, e a menina correu para responder: “foram eles mesmos madrinha, eu vi...”. A madrinha fez uma cara! Mas a menina tinha que colocar toda a culpa nos tais “santos”, senão seria castigada, caso a verdade fosse dita. Aprendeu rápido.
Em outro caso, perguntaram quem quebrou os braços e as pernas de uma boneca novinha e a menina logo apontou para o primo, que sempre apanhava – pois meninos têm uma mania de destruir as coisas das meninas...
Na adolescência, perguntaram se Vitória era a moça que estava atrás daquele ônibus, beijando um rapaz, e ela afirmava que não, ela não. Era Vitória que estava passando cola no colégio? Claro que não!
No casamento, o marido sempre indagava se estava tudo bem, “claro que estava!”, afinal viver só de amor é maravilhoso...
Na separação não houve problemas maiores, separou-se por incompatibilidade mesmo, mas ela era perfeita como mulher – quase não mentia...
Festejando a fase balzaquiana, com muita vontade de voltar aos 29, Vitória afirmava que ainda não tinha tido filho porque não queria, mas a verdade é que todos os seus amigos já tinham formado uma família, com vários filhos...
Um dia ela lembrou-se da mãe, que já tinha partido, e recordou-se do tal céu e do tal inferno, para onde ela iria? Para o céu, com certeza, pois não mentia, em sua mente ela só omitia alguns fatos... Assim pensava, afinal, as pessoas não gostam de ouvir a verdade, pois toda vez que a verdade era citada, Vitória poderia ser castigada. Aprendeu desde cedo isso.
Certa vez, a menina, agora mulher, teve um sonho. Sonhou que o próprio Criador falava com ela. No sonho, Ele perguntava: “Vitória, quem chupou aquelas balas de São Cosme e São Damião?” e ela lembrou-se da infância e rapidamente respondeu: ”Eu chupei as balas, meu Deus, fui eu!”