O PARADOXO DA CIDADE DOS MORTOS E DOS VIVOS
Ficou tomado de pavor quando viu uma reportagem em que uma considerável parte da população de uma populosa cidade morava dentro do cemitério. As edificações, que as pessoas aprenderam a ter como sombrias e até macabras, foram construídas para manter os mortos em repouso e preservar seu sossego, no silêncio da paz e para uma eternidade sagrada. Para seu espanto o relato dava conta de que aquelas edificações sustentavam vidas, nutrindo-as. Ou seja, famílias residiam ali havia muitos anos ou décadas. Eram pessoas carentes as quais não tiveram acesso a uma habitação digna. Acontecia ali uma seqüência de gerações que nascia, vivia e morria no interior do cemitério. “Que coisa mais aterrorizante!”, imaginou ele. Ficou, entretanto, a matutar. Como é que um lugar construído para preservar exclusivamente a morte, faz aflorar tanta exuberância, tanta vida e até alegria.
Foi galgando as escadarias, esgueirando-se entre becos e vielas. De vez em quando parava para captar mais um pouco de oxigênio e observar as pipas que tremulavam afoitas impulsionadas pelo vento. Garotos divertiam-se disputando espaço num céu tão espaçoso que nem necessitava daquela batalha. Ele achou tudo aquilo muito divertido e saudável. Afinal, era uma perfeita demonstração de que a vida fluía ali no morro.
Atingiu mais um patamar. Parou uns instantes para recuperar o fôlego. Os garotos continuavam soltando as linhas de suas pipas. As garotas desfilavam displicentes com shorts curtinhos e as donas de casa atarefadas abarrotavam os varais de roupas para secar. Mudou passos para tomar mais uma viela e galgar mais uma centena de degraus. De um canto qualquer surgiu um garoto empunhando uma pistola. Fez com que ele deitasse no chão, pressionou a arma em sua têmpora e antes que desse uma ordem dura para que ele não continuasse a subir o morro, meteu a mão em seu bolso e arrancou sua carteira. O garoto da pistola fez com ele desse meia volta e descesse a s escadarias sem olhar para trás.
No caminho de volta, assaltado e decepcionado ele não teve muito tempo muito tempo para analisar sobre os montões de sacos de lixo acumulados nas vielas, os córregos fétidos escorrendo no limiar dos barracos e alguns homens que desfilavam empunhando, descaradamente, potentes fuzis.
Escutou o zunir de uma bala que se alojou num muro a alguns palmos de sua cabeça. Na correria desesperada, antes de atingir a avenida, teve que pular por cima de dois corpos que agonizavam crivados de balas. O estampido dos tiros retiniu em seus ouvidos e ele não pôde detectar de onde vinham.
Quando se pôs a salvo, concluiu que aquilo era um paradoxo. O morro tinha se transformado num conjunto de túmulos de vivos. Os cemitérios, seja da cidade do México ou do Cairo, afloram muito mais vida do que as áreas habitacionais, os morros: a cidade dos vivos mortos.
Ficou tomado de pavor quando viu uma reportagem em que uma considerável parte da população de uma populosa cidade morava dentro do cemitério. As edificações, que as pessoas aprenderam a ter como sombrias e até macabras, foram construídas para manter os mortos em repouso e preservar seu sossego, no silêncio da paz e para uma eternidade sagrada. Para seu espanto o relato dava conta de que aquelas edificações sustentavam vidas, nutrindo-as. Ou seja, famílias residiam ali havia muitos anos ou décadas. Eram pessoas carentes as quais não tiveram acesso a uma habitação digna. Acontecia ali uma seqüência de gerações que nascia, vivia e morria no interior do cemitério. “Que coisa mais aterrorizante!”, imaginou ele. Ficou, entretanto, a matutar. Como é que um lugar construído para preservar exclusivamente a morte, faz aflorar tanta exuberância, tanta vida e até alegria.
Foi galgando as escadarias, esgueirando-se entre becos e vielas. De vez em quando parava para captar mais um pouco de oxigênio e observar as pipas que tremulavam afoitas impulsionadas pelo vento. Garotos divertiam-se disputando espaço num céu tão espaçoso que nem necessitava daquela batalha. Ele achou tudo aquilo muito divertido e saudável. Afinal, era uma perfeita demonstração de que a vida fluía ali no morro.
Atingiu mais um patamar. Parou uns instantes para recuperar o fôlego. Os garotos continuavam soltando as linhas de suas pipas. As garotas desfilavam displicentes com shorts curtinhos e as donas de casa atarefadas abarrotavam os varais de roupas para secar. Mudou passos para tomar mais uma viela e galgar mais uma centena de degraus. De um canto qualquer surgiu um garoto empunhando uma pistola. Fez com que ele deitasse no chão, pressionou a arma em sua têmpora e antes que desse uma ordem dura para que ele não continuasse a subir o morro, meteu a mão em seu bolso e arrancou sua carteira. O garoto da pistola fez com ele desse meia volta e descesse a s escadarias sem olhar para trás.
No caminho de volta, assaltado e decepcionado ele não teve muito tempo muito tempo para analisar sobre os montões de sacos de lixo acumulados nas vielas, os córregos fétidos escorrendo no limiar dos barracos e alguns homens que desfilavam empunhando, descaradamente, potentes fuzis.
Escutou o zunir de uma bala que se alojou num muro a alguns palmos de sua cabeça. Na correria desesperada, antes de atingir a avenida, teve que pular por cima de dois corpos que agonizavam crivados de balas. O estampido dos tiros retiniu em seus ouvidos e ele não pôde detectar de onde vinham.
Quando se pôs a salvo, concluiu que aquilo era um paradoxo. O morro tinha se transformado num conjunto de túmulos de vivos. Os cemitérios, seja da cidade do México ou do Cairo, afloram muito mais vida do que as áreas habitacionais, os morros: a cidade dos vivos mortos.