DOUTOR

Para tudo o que se pensar hoje em termos de necessidades imediatas acha-se um especialista. Quer saber sobre um investimento? Tem dificuldade na educação dos filhos? Quer saber sobre perspectivas de carreira? Quer saber qual alimento faz menos mal? Quer saber por que o seu relacionamento não dá certo? Tem para tudo e todos. E, se não puder pagar, digite “tutorial” - “criança birrenta”, por exemplo, no google. Estará lá, de graça, o passo a passo para qualquer coisa, até espinhela caída.

O caso da medicina é o mais presente na vida de todo mundo. A chamada junta médica, que nada mais é que uma reunião de especialistas, mostra a fragilidade das nossas vidas por causa das especializações extremadas, do apego excessivo ao diploma como única forma de dar legitimidade ao conhecimento. Bom, por um lado, excludente por outro, já que quem pode arcar com isso tudo é uma parcela insignificante do mundo.

Hoje em dia nenhum saber que não venha de escolaridade tem sido levado em consideração com o devido respeito. Experiência e prática não têm sido levadas em conta mais, se a pessoa não tiver por trás de si um canudo. Pode ser por isso que há tanta gente com tanto título que não sabe fazer nada. Pode ser por isso também que não há muito respeito com as pessoas mais velhas. Elas simbolizariam esse passado tão descartado a todo minuto. Deixam de ser portadoras de um conhecimento acumulado no passado para serem simplesmente pessoas ultrapassadas. Pelo menos é assim que eu vejo as cabeças mais modernas funcionando. O novo vem e o velho tem que dar lugar, sem transição nenhuma. Seja um velho sem nenhuma fama ou fortuna acumulada e saia por ai disseminando experiências de vida para ver a repercussão do que estou falando. O máximo que se consegue é um lugar preferencial numa fila e olhe lá ainda as caras de má vontade ou piedade com que lhe tratam.

Quase todos os que alcançam um nível escolar superior gostam de ser chamados de doutor, doutora. Vou falar de Drauzio Varela para exemplificar um generalista, o oposto de tudo isso. São pouquíssimos médicos no Brasil, talvez no mundo com o cabedal de conhecimentos assemelhados ao dele. Ele fala de tudo o que diz respeito ao corpo humano, suas manifestações físicas e psicológicas. Estudioso da história da medicina, das artes como contraponto às doenças, das terapias não convencionais, da cura do corpo pela mente. A literatura que ele produz é coisa de gente que se envolve com o conhecimento de tal forma que não o dissocia de todos os elementos que o compõem. Ou seja, é um especialista em tudo ou um não especializado em uma parcela que dependa fatalmente de outra. Se eu tivesse uma doença em qualquer ponto da cabeça aos pés eu confiaria o meu tratamento exclusivamente a ele, sem que necessitasse chamar ajuda. Esse sim, eu chamo de Doutor. Poderão dizer que é um caso de genialidade inata. Mas qual gênio que é gênio a vida inteira sem associar vários conhecimentos? Os que eu tenho notícia e que se limitaram a seu campo específico que o alçaram a esta condição (foco único), enlouqueceram de alguma forma por não desenvolver todas as suas potencialidades. Assim como o DR Drauzio pode ser a imensa maioria das pessoas que se dispuser a enxergar além do que lhe é ditado. Esse negócio de “cada macaco no seu galho” pode ser relativizado tão intensamente quanto maior for a dedicação na aquisição de novos saberes, que ao contrário do que muita gente pensa, não é perda de tempo.

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Escrevi esta crônica por causa de uma outra (ESPECIALIDADES), onde afirmava que “preferia ser ruim em muitas coisas do que especialista em uma só.” Bom, uma ou outra opção é exagero. Bem sei que o equilíbrio entre a água e o fubá é que fazem com que o angu não dê caroço, já ensinava o meu avô. Só que eu estou tomando uma surra dos dois lados. Dos especialistas e dos “meia boca” assim como eu.

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 15/07/2010
Código do texto: T2378437
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