Poesia de bordel
A poesia de cordel em sua versão mais fescenina, apelidada de “poesia de bordel”, já deu mote para muito poeta bom nas quebradas do Nordeste. O renomeado poeta paraibano Bráulio Tavares lembra o episódio de uma puta cega na cidade de Cabaceiras, que além de tudo era masoquista. Os camaradas comiam a cega, batiam na pobrezinha e ainda roubavam seu dinheiro.
Passando por Cabaceiras em 1932, o poeta potiguar Moysés Sesyom foi cantar no cabaré, onde lhe deram o mote:
PUDE ILUDIR UMA CEGA:
DEI-LHE UMA FODA NO CU
Saindo de uma bodega
De meio lastro queimado,
Com muito jeito e agrado,
Pude iludir uma cega.
Rolando na beldroega,
Fazendo vez de muçu,
Pra furnicar me pus nu.
Faz tempo, mas me recordo:
Virei a cega de bordo,
Dei-lhe uma foda no cu!
Inveteradamente irreverente, o poeta Zé Limeira cantou assim em um pé-de-parede numa noite de cana e poesia maluca no Cariri:
Um chocalho sem badalo
A ninguém dá provimento
E quem nasceu pra jumento
Nunca chega a ser cavalo.
Panela não tem gargalo,
Latrina tem merda dentro,
Beldroega não é coentro
Catarro é bem de raiz,
Só deu o rabo quem quiz
Reza o velho testamento.
O véio Tomé de Souza,
Conforme contei um dia,
Era bom com a freguesia
Fazendo cousa com cousa
Mas enrabou sua esposa
No dia do casamento,
Fez pior do que jumento,
Com pobre padre Nobréga,
No Cais rebentou-lhe as prega,
Reza o velho testamento.
Agamenon Magalhães
Por achar o mundo estreito
Cantou com um dó de peito
Duas de suas irmães.
Comeu três quilos de pães
Com merda de gato dentro,
Soltou um triste lamento
Vomitanto inté as tripa,
Dom Pêdro passou-lhe a ripa,
Reza o velho testamento.
Expressões licenciosas, eróticas, obscenas e escatológicas é o que não faltam numa boa cantoria de pé-de-parede. Depois de tomar umas três lapadas de Pitu, o cantador se dana a divertir a platéia com todo tipo de safadeza. Mas no fundo é tudo cantiga de amor, é tudo lirismo, que o amor tem muitos aspectos, espirituais ou carnais. O apelo da carne, que a carne é fraca, inspira poemas eróticos, libertinos e obscenos.
Na realidade, o que eu acho imoral é, por exemplo, essa manchete do Estadão: “Dez mulheres são assassinadas por dia no Brasil”.
Manoel Monteiro, de Campina Grande, é um dos maiores poetas cordelistas do Nordeste. Escreveu um folheto sobre uma rapariga chamada “Maria Garrafada”, que era a “mestra” dos meninos no seu tempo. Na minha Itabaiana conheci também uma puta chamada “Maria da Garrafa” que, igual à sua colega de ofício, trabalhava com a clientela dos primeiros passos na difícil arte de copular. Para “Maria Garrafada” Monteiro dedicou este verso:
MARIA PUTA, MARIA SANTA
… A maquilagem manchada
Pela lágrima que rola,
O sem futuro estiola
O sangue das suas veias,
Afoga as mágoas alheias,
As suas, ninguém consola.
Por isso mesmo há quem diga
O que tem um certo nexo
Ser o comércio do sexo
A profissão mais antiga
Sendo assim, ser rapariga
É profissão pioneira;
Defendendo uma rameira
Jesus disse resoluto:
- Quem não gostar do “produto”
Atire a pedra primeira.
“Estes versos do meu folheto fala das “mercantilistas do amor” com ternura e admiração. Quando precisar de solidariedade humana, bata na porta de uma rapariga e a terá. Os que sofrem são solidários com a dor do próximo”, diz Manoel. “Senti-me saldando um débito de gratidão com as prostitutas do mundo escrevendo sobre Maria Garrafada”, acrescentou.
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