Surpresa!
Estava eu aqui, dia desses, relembrando os grandes momentos da minha vida curta. Afinal de contas, é isso que a gente faz quando para pra pensar, não é? Relembra.
Pois bem, enquanto recordava das muitas coisas que já fiz por aí, fiquei remoendo o grande número de vezes em que me vi completamente triste e perdido. Eu sei que soa meio pessimista, mas é a mais pura verdade. Por muitas vezes na minha vida eu já me senti sem rumo, abandonado, triste e mais uma infinidades de adjetivos neste sentido.
E ao relembrar destes momentos, acabei por notar uma coisa ligeiramente estranha e, por que não dizer, surpreendente: Eu lembro dos momentos de felicidade em uma quantidade muitíssimo menor. E agora, o que significa isso?
Será que, no decorrer da minha vida, eu fui muito mais infeliz do que alegre? É, é uma possibilidade. Mas não acredito realmente que seja isso.
Se você parar para analisar a situação, acho que compreenderá que todos nós vamos lembrar de mais momentos ruins do que bons. Na nossa memória, as coisas ruins aparecem mais claramente. Agora eu lhes pergunto: por que isso acontece?
Eu, particularmente, acho que é pela importância que nós damos para cada momento. Soa estranho, eu sei. Dito assim, parece que nós consideramos mais as coisas ruins do que as boas. Mas percebam que, de fato, isso é verdade.
Afinal de contas, quando você está triste, você sabe que está triste. Você sente isso, você pensa sobre isso. Ou estou enganado?
A nossa tristeza sempre nós é bastante visível. Por que ela modifica tudo ao nosso redor, modifica a forma como nós lidamos com as coisas. Se você estiver triste, cada problema que lhe aparecer irá soar como um obstáculo tremendamente desanimador. Cada mínimo detalhe do nosso dia pode nos afetar. É quase como uma progressão aritmética: Quando mais infeliz se está, mais propenso a passar por coisas ruins se fica. E você começa a ficar cada vez mais atento aos detalhes adversos que podem aparecer. Você se foca em todas as coisas ruins, em tudo que é desagradável, tentando evitá-las, mas acaba entrando cada vez mais em sintonia com as mesmas. E todo esse redemoinho de coisas ruins acaba por parecer infindável, insuperável. A nossa vida começa a ser afetada severamente pela nossa tristeza. E é por isso que nós notamos. Seria difícil passar batido por estes sentimentos. Eles nos marcam, mesmo que sejam só por um dia. Você vai lembrar por um bom tempo que teve aquele "dia ruim, em que tudo deu errado".
Agora, quando se trata de felicidade... Bem, nós dificilmente percebemos que estamos felizes e, acreditem se quiserem, o motivo disso é basicamente o mesmo: Quando estamos bem, cada mínimo detalhe do nosso dia parece ainda melhor, nos anima ainda mais. E nós vamos entrando em um cíclo de coisas boas tão acelerado que não nos sobra tempo para pensar sobre como estão as coisas, ou se estas irão nos ajudar ou qualquer pensamento do gênero. Você só vai aproveitando as oportunidades, vai se ligando cada vez mais ao que de bom acontece, mesmo que seja um detalhe ínfimo, e vai seguindo adiante. Sem realmente se dar conta de que coisas boas estão acontecendo.
Enquanto na tristeza o nosso foco é o quão ruim as coisas estão e o quão tristes nós ficamos, na alegria o foco meramente existe. E se existe, ele está em cada nova oportunidade boa que aparece.
Isso me lembra de um texto do Caio Fernando Abreu, sensacional, diga-se de passagem, que eu li um bom tempo atrás e que ficou ressoando na minha mente por um bom tempo:
"Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está aí, haverá sol quase todos os dias e, sempre resta essa coisa chamada 'impulso vital'. Pois esse impulso, às vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará, quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento, te surpreenderás pensando algo assim como 'estou contente outra vez'."
E isso mostra o porquê de raramente lembrarmos de termos estado felizes. Eu sei que já disse isso em outro texto e, mesmo correndo o risco de ser repetitivo, tornarei a dizê-lo: Felicidade a gente não percebe que está sentindo: simplesmente sente. Quem está feliz não perde tempo imaginando se esta feliz ou o porquê. Ele só aproveita. E é o melhor a se fazer mesmo. Não dar atenção para essas coisas. Nem pensar em nada. E aí, um dia qualquer, como disse Caio F., você estará por aí, dançando, brincando ou fazendo alguma coisa do gênero e, de repente, se surpreenderá pensando: puxa vida, estou feliz.