QUANDO TE TRAÍ

Nosso caso de amor... Quando foi que começou? Criançada brincando, travessuras chamando. E eu perdida. Olhava lua, olhava flor, olhava o tempo, sonhava música... Ninguém entendia. Menina mais esquisita! Horas, cismando sozinha! Noite de estrela, a olhar o céu. Dia de chuva, a olhar a janela. Triste essa menina! Pensa demais! Que será que tanto pensa desse jeito? Tem hora que nem parece menina. Parece gente grande... Era você em mim... Eu já era apaixonada e nem sabia... Ninguém sabia...

Cresci te amando. O amor cresceu. Encontros furtivos no cemitério, lembra-se? Duas da tarde, o sol queimando. A hora propícia, insuspeita. Ninguém podia imaginar. Em casa, era proibido. Perda de tempo, diziam. Que futuro eu poderia ter contigo? Forjamos nosso lugar. À sombra daquele túmulo, quase um castelo, nosso refúgio de amor! Tínhamos tardes lindas ali. Ah, como eu te amava! Em qualquer folguinha era pra você que eu corria. Longos, eternos momentos deliciosos, você me contando coisas, enchendo minha cabeça de fantasias românticas.

Até que chegou o dia em que te traí. Vil e covardemente. A vida me acenou com outras promessas. E eu fui. Você, em abandono! Perdoe-me, te troquei por outras coisas. Deslumbrada, fui me aventurar num mundo novo. E te esqueci. Sim, confesso, eu te esqueci! Só mesmo aquele vazio esquisito, de vez em quando, ao te sentir por perto. Cheguei a te escutar, gritando em algum lugar escuro dentro de mim. Você me incomodava. Mas risquei você da minha vida...

O tempo passou. As outras coisas também. Fiquei mal, sem rumo, sem porto, sem guarida. Religião, medicina, terapia, trabalho. Tudo para esquecer a mim mesma. Ignorei espelhos, tranquei gavetas, escondi retratos. Fugi de mim para não me ver. Ah, como eu queria não saber quem fui! A minha procura, não consegui achar meus pedaços que soçobravam em mares nada mansos. Onde será que eu estava? Alguém tinha pistas de mim? Favor, quem soubesse me avisasse... Urgentemente!

Então, você de regresso! A mala no chão: “posso ficar?”. Que pergunta! Não se pergunta isso a quem nunca partiu. Você tem direito a mim e tudo que é meu! Pois era em você que eu estava. Ou será você que nunca saiu de mim? Fusão perfeita que somos, nem sei mais onde começo, ou você termina. Só sei que preciso de você. Para exorcizar os meus medos, cantar os meus amores, chorar as minhas dores, viver... Preciso de você, POESIA, meu grande amor...