CONVERSA PRA BOI RONCAR
 


 

Deixou o carro no trabalho e foi de táxi para não se estressar (e bebericar). Chega atrasado e culpa o trânsito. A amiga sorri e retruca que esperar por ele sempre é bom. No segundo chope, o homem dispara:

- É impressão minha ou a vida anda chata?

- Um porre.

- Parece que estou de ressaca desde que nasci.

- Exagerado.

- E jogado a seus pés, minha flor.

- Nesta idade e ainda engraçadinho.

- Perdi o medo do ridículo.

- Melhor perder esse medo que desenvolver fobias.

- A idade tem que servir para alguma coisa, além de aumentar a conta na farmácia. Sou mais livre agora.

- Encontrei esta liberdade depois dos quarenta. Quando era garota, a opinião dos outros pesava tanto, até que descobri o óbvio. Ninguém controla o que as pessoas pensam. Então, relaxei e errei, afinal, ser desastrada é meu erro original de fábrica. Por isso, o mundo pense o que quiser. Para muitos, estarei sempre errada. Para outros, há o benefício da dúvida.

- Não perco meu tempo com o que podem pensar de mim! Aliás, confesso, fico surpreso quando pensam algo! Aqui entre nós, não mereço um milímetro do pensamento alheio!

Os dois sorriem. Mais um gole de chope, ela suspira e diz:

- O pior é ter que encarar o dia inteiro gente crítica de plantão. O dedo sempre em riste, os sermões na cidade, praia e montanha, mas olhar no espelho ou para dentro de si... Hum... Nem pensar.

- Claro! Muito mais fácil transferir responsabilidades, delirar culpas, viver num mundo onde existam bodes expiatórios e, de preferência, grandes vilões. Humanizar-se exige coragem.

- Há quem defina a coragem como disposição para declarar aos quatro cantos os "diagnósticos" sobre o outro. E detalhe: exercendo ilegalmente a medicina.

- Talvez, assim, preencham seus vazios. O outro parece ter apenas uma finalidade. Objeto à disposição de teorias conspiratórias. Pode reparar. Neste tribunal das sentenças e certezas dos ressentidos há tanta vaidade. E solidão.

- Minha querida, você está coberta de razão. Não é à toa que somos amigos.

- É verdade, caríssimo. Nunca pisamos no calo do outro, digo, um no calo do outro.

- Pisar provoca altos impactos.

- Teríamos que fazer musculação antes.

- Deus nos livre deste condicionamento físico.






(*) CRÔNICA DE HUMOR INSPIRADA NA CONVERSA DA MESA AO LADO.

 




(*) IMAGEM: Google


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Dolce Vita
Enviado por Dolce Vita em 14/07/2010
Reeditado em 10/08/2011
Código do texto: T2376401
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