AO PEDRO II TUDO OU NADA ?

Um pedaço da minha vida, aquele que vivi no historicamente conhecido colégio padrão do Brasil, está desenhado na minha mente, que o sinto em meu eu coberto de saudades. É a saudade gostosa que não dói no peito como a saudade dos amores perdidos. Ela é singular e arrasta consigo as mais doces lembranças de minha juventude.

Orgulhosa vesti o uniforme daquele famoso educandário. Ele tinha a cor cáqui, na parte lateral um emblema bordado com um globo terrestre e dois ramos de café. Este símbolo em nosso uniforme nos valeu o apelido de “café globo”, marca de café muito popular na época.

Sentíamo-nos um pouco acima das outras escolas porque tínhamos três uniformes: o cáqui, o de linho branco e um azul-marinho para lá de gala para solenidades especiais. Olha que não fazíamos parte da burguesia. Alguns alunos eram de famílias mais tradicionais e de melhor poder econômico, mas entre nós não havia distinção. Éramos todos iguais com aquele lendário uniforme e tínhamos orgulho de pertencer àquela casa do saber.

Sei que muitos em sua juventude não tiveram o privilégio de ter em suas escolas o grito de guerra, a famosa “tabuada”, que tem o aluno do Colégio Pedro II. Até hoje ela é um marco na vida de alunos e ex-alunos que se sentem emocionados ao cantá-la e ao ouvi-la.

“Soldados da Inteligência” são algumas das palavras escritas no nosso hino que também nos enchem de orgulho e que nos motivava a ser cada vez mais estudiosos.

Nossos mestres eram idolatrados por nós. Eram verdadeiros deuses da sabedoria.

Muitos povoam esse meu coração saudoso que, se me propusesse a falar de todos, daria para escrever um livro.

Como esquecer o prof. Abelardo Araújo que com sua dedicação me fez transportar para o mundo helênico com as suas fabulosas aulas de história. Grécia e Roma viviam naquela sala de aula sem que precisássemos embarcar numa nave do tempo para conhecer aquele Mundo Antigo

A matemática, a física e a química não me eram simpáticas, mas nem por isso deixei de estudá-las com capricho.

Outra professora presente em minhas lembranças era a jovem professora de história, Teresinha de Castro, que nos fez entender a verdadeira história do Brasil. Era muito preparada e entusiasta de sua disciplina.

Meu peito ainda se enche de orgulho quando me lembro de ter sido aluna do professor Omar Gutierrez, que se tornaria mais tarde catedrático de Língua Portuguesa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

Como nos esquecermos de Evanildo Bechara e Domício Proença, hoje pertencentes ao seleto clube dos Imortais.

Minha maior conquista, no entanto, foi quando alcancei o curso clássico. Foi um verdadeiro Curso de Humanidades para mim. Acrescentei ao meu currículo o estudo do grego que me deixou fascinada diante do meu mundo de descobertas. Além das ciências exatas, línguas e literatura portuguesa, espanhola, francesa, inglesa e latina, filosofia e psicologia, eu estudava grego!

Estudar grego era privilégio de uma minoria e ao aluno do Colégio Pedro II, não lhe era negado esse presente. Não era “presente de grego” e não foi colocado em nenhum Cavalo de Tróia. Apenas fazia parte de nossa grade curricular. Foi a maior vibração! A Grécia cada vez mais nos encantava, e o mistério dos deuses revelava-se para nós através das traduções que fazíamos em aula.

Éramos alunos atuantes e já saíamos em passeata fazendo protestos, principalmente quando aumentavam as passagens dos bondes, dos ônibus e dos lotações. Quando havia algum tumulto nas ruas, podia contar que o aluno do Pedro II estava por lá. Bagunceiro? Talvez, mas acima de tudo aluno do colégio imperial. Aquele que trazia consigo o orgulho de ser o mais ousado dos jovens daquele mundo arruaceiro e puro que era o mundo estudantil daquela época.

Outro orgulho nosso era o grêmio literário. Era o verdadeiro elemento de ligação entre mestre e aluno. Deliberações ali eram tomadas e executadas. A eleição da diretoria do grêmio agitava o colégio. Era a política incipiente de jovens entusiasmados que mais tarde haveriam de se posicionar na vida. Vivíamos também de lazer e de festinhas. A eleição da rainha do grêmio era linda e era realizada na primavera; as festas juninas eram famosas... até as briguinhas...

Apelidos existiam, os mais diversos. Todos colocados com muita ironia e carinho: pintora de rodapé, Kamamba, e Deus criou a Mulher e por aí vai...

Nem mesmo o ingresso à Universidade nos deixou tão felizes quanto nosso ingresso no Colégio Pedro II, e deixá-lo foi a minha maior tristeza. Experimentei uma sensação esquisita de quem se sente órfão. Meus diversos companheiros se dispersaram por diversas faculdades, procurando os seus caminhos; nossos mestres se despediram, depositando em nós confiança de nos tornarmos cidadãos produtivos e atuantes. E eu e tantos outros que atravessamos esse portal, sentimos que aquela escola do ontem seria o nosso amanhã dirigido para a vitória conquistada quando ingressamos no Colégio Pedro II.

Vilma Tavares
Enviado por Vilma Tavares em 13/07/2010
Reeditado em 16/07/2010
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