Perdoa Amiga:

       Hoje, mais que nunca, acredito que a teoria nada tem a ver com a prática. Senão, vejamos. Durante vários anos conviví com a morte diretamente. Dirigí uma casa de apoio á portadores de câncer, vindos do interior. Nessa casa eram abrigados, em média 50 pacientes com a finalidade de fazer o tratamento da doença, tratamento esse, geralmente doloroso e longo. No começo, pensei em desistir, covardemente, recuar. Mas, nem sei por que resolví enfrentar tudo que poderia acontecer alí, bem perto de mim. Eu, que antes, nem ao menos olhava para uma funerária, estava alí para ser a "mãe", a defensora, a amiga, bem, tudo enfim daqueles que alí chegavam completamente fragilizados. Era um desafio e tanto. Não me achava pronta para a missão, mas com o tempo, fui aprendendo, fui me fortalecendo, fui me dando, fui cescendo. Foram anos de aprendizado. Aprendi demais com eles. Aprendí a reconhecer quando vai chover pelas formigas na roça, aprendí a fazer ponto de cruz, aprendí a fazer bolo sem precisar de forno, aprendí que eu era bem maior do que eu supunha, que meu coração era ilimitado, que tinha uma força física que desconhecia, aprendí a enxugar lágrimas e por vezes chorar junto. Aprendí e acreditei quando me diziam que eu era linda, pouco importava os espelhos á minha volta.Aos poucos, fui me encontrando. Aquele era meu lugar.
      Lembro do primeiro dia que cheguei, um odor forte exalava. A vontade de correr dalí, me ocorreu. As pessoas nada tinham das que eu convivia anteriormente. Eram por demais sofridas. O medo e a dor viviam estampados em suas faces. Mas, minha adptação foi rápida. Logo, eu estava os abraçando, logo eu os amei. Eram pessoas que me queriam muito, me faziam sentir mais importante que a rainha da Inglaterra. Nossa convivência tornou-se uma festa. Juntos, fazíamos as tarefas domésticas, juntos ouvíamos as orações das pessoas que lá iam rezar. Por vezes, eu lia para eles. E, certamente nunca tive uma platéia tão atenta. Chegamos a montar algumas peças de teatro. Numa, encenada no natal, o anjo era uma menina portadora de câncer cerebral.Nunca ví um anjo tão autêntico. Quase sempre, éramos surpeendidos pela falta de um, desistência, ou mesmo ausência forçada. Mas, logo a vaga deixada, era preenchida por outro, que eu logo aprenderia a amar. Estávamos sempre juntos. A essa altura, eu já havia me transformado. Aprendí a lidar com a morte, já que ela nos visitava frequentemente. Nossas ligações eram fortes, apesar de breves, ou talvez por isso. Valorizávamos nosso dia a dia. Bem, mas, voltando ao tema inicial, vejo agora que não aprendí tanto, quanto achava que tinha aprendido, eu não continuei forte como aquela que servia de apoio na hora da partida.
Lá na casa, sempre aparecia uma senhora bonita, jovem, rica, mas extremamente simples. Nela sempre tive o apoio que eu precisava, quando as emoções eram muito fortes.Muitas vezes nos trancavamos as duas, para chorar.Chorávamos escondidas. Sempre a achei, uma fortaleza. Capaz de aguentar tudo,e superar. Ela foi, durante muito tempo, meu apoio.
  Hoje, soube que ela está com câncer, e, desesperada procurou por mim. Bem, mas onde eu estou? Onde aquelas palavras bonitas de conforto que usávamos?Onde aquela amiga, que tanto ela admirava?
  Bem, ela está aquí, escrevendo essa crônica, covardemente muda, sem encontrar palavras, para dizer a amiga que um dia foi seu suporte, seu cajado.
  Perdoa amiga, já não sou a mesma. Perdí o jeito de aceitar a morte.