Ele não tinha nome, mas suas múltiplas faces moravam em minha fantasia, sem que eu soubesse de onde vinham. Eu o guardava secretamente por medo de dividi-lo, pois era esse o jeito do mundo conhecer o que eu não queria mostrar. Por medo. Um medo agoniado, escondido no medo de machucá-lo, de torná-lo menosprezado, recusado, antes mesmo que fosse. Medo de ferir meu amor-próprio, longe de experimentar o gosto do abandono, pela exigência de viver um primeiro amor.

Era meu pequeno milagre. A primeira mentira de e do afeto que seiva, tão logo se abre olhos e brota seios. Não tinha coroa nem capa de veludo, não trotava em seu belo cavalo branco – isso era coisa de histórias – porque havia que ser em carne e osso. Tão visível e palpável quanto a verdade de um objeto a ser mensurado.


Era o meu príncipe. Um príncipe escravo, obediente, que só aparecia nos retratos falados das rodinhas furtivas onde se aprendia e se ensinava o método e o feitio do primeiro beijo. Às vezes, de outros toques mais ousados, sussurrados em secretíssimos e suspirados momentos. O príncipe com quem eu partilhava o dever de amar e se amada, diante da corte feminina que não poupava castigos, não escondia o desdém pela inocência ainda inviolada.


Meu príncipe, jovem e imberbe, sem terras, sem ouro, enroupado de delicadezas, capaz de guerras e gritos pela conquista definitiva da súdita, então, transformada em mulher, por quem se batiam reinos. Dele, ninguém duvidava, mas também não percebia senão uma pequena parte por que fingia bater meu esperto e dissimulado coração.


Eu o arrastava em minhas inúmeras desculpas ou fugia para obrigações inexistentes, nos momentos exatos. Às vezes obrigava-o a longínquas viagens enquanto, de soslaio, vigiava a sombra mágica do tal amor que precisava, com excepcional urgência, descobrir.


Que inalcansável deus era aquele, dominador e prepotente, que desobrigava qualquer outro pensamento de pensar? Que terrível fantasma seria, que cruel bandido teria tão encantadas algemas? Meus braços, via-os nus. Meus olhos não tinham a mínima graça daqueles que, perdidos, vertiam nuvens. Meu coração não morria de saudades e minha alma vagava mesmo por céus mais próximos.

Impotente, eu sangrava, talvez, minha primeira dor. Secretamente...
Eliana Schueler
Enviado por Eliana Schueler em 13/07/2010
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