RASTROS NA AREIA .
Era mais uma manhã de domingo,sol,mar.
Deveria ser o que naquele momento não conseguia obter mesmo
mergulhada em suas próprias marés: paz.
Foi um momento de arrumação,repaginação de lembranças que quase podia tocar de tão concretas e que ordenava lentamente em gavetas da memória.
Toda vida revista quadro a quadro,fato a foto, foto a fatos.
Saudades,desgostos,entregas,medos,traições,dores,alegrias,festa,
(re)encontros,desencontros,desencantos,partida,ida sem volta,chegada sem ida,dor sem remédio.
Esperança que brotava sempre e que agora nesta altura da vida desbota á cada segundo,desgosta/desgasta e desabotoa vestes do pensamento,desnudando-o sem vergonha/pudor.
Sabia o que queria e que o que queria sabia não ser muito, ser único: ser feliz.
Sentia novamente ( e cada vez mais perto) que a solidão e a tristeza estão sempre sorrateiramente/insidiosamente a seu lado, em prontidão para superar a ela mesma,que parecia se desbotar,se desfazendo de si mesma.
Queria luz de sol/penumbra,mar calmo,brisa fresca,queria ficar encapsulada em si própria,em paz com seu eu,sem críticas/palavras,
gestos e decepções.
Gostaria de abstratamente se concretizar,virar pó,poeira cósmica,
rastro de estrelas vagando pelo infinito sem rumo ou parada,sem destino e sem tino,apenas só e em silencioso momento.
A vida nunca foi interessante,sempre papel comum sem grandes cenas,sem atos e fatos, alguns momentos de alegria ( inegáveis), mas
ecos do comum.
Coadjuvante em sua própria peça de vida.
Espreguiçava-se em triste despertar de quem espera um abrir de olhos colorido,quente e aconchegante.
Esgueirava-se a sensação de paz,muitas vezes e até era grata por isso, de companheira fiel a própria e até por essa razão limitada solitude.
Era domingo,meio-dia,mormaço,rastros na areia, de quem pensou ousadamente em deixar passos certos e firmes e só consegue deixar rastros borrados,arrastados e disformes...
...Passos trôpegos de bêbado de alma embriagada de dores/desamo-
res,que se refletem tal qual raios de sol no espelho radiante da lembrança.
Passos de quem buscava ser feliz e se descobriu só,lutando por si e
contra si,por tudo (tão pouco).
Domingo,solitária tarde cercada de vozes/caladas em seus silentes falares,cores e tons,solidão na alma, solidão de si mesma.
Márcia Barcelos.