Série: Consultório Médico Psiquiátrico
A felicidade é química. (Rascunho)
Alexandre Menezes 

            Estava lá: diante da aceitação de tratamento para sua ansiedade. Consulta marcada e trinta dias separavam-nos. Sequer pediu para ser colocado em lista de prioridade caso houvesse alguma desistência. Inicialmente, parecia uma espera que não lhe  causaria ânsia. Apenas agendou a data no software do telefone  e aguardou tocar para recordá-lo.

            A ida ao consultório fora marcada após sua cardiologista avisar que não mais o receitaria ansiolíticos. Sem saída, marcou a tão temida especialidade para seguir com a felicidade química que desacelerava e alegrava seus dias. Totalmente enganado, viveu dias difíceis. Não parava de pensar como seria e, baseado nas terapias abandonadas, ensaiava falas para dizer e ser medicado sem muitas perguntas. 

            Então o telefone avisou. Duas horas de antecedência como de costume agendava seus compromisso. Banho, uma roupa qualquer, cabelo quase despenteado, o seu perfume diurno e seguiu. No caminho, relembrava as frases pensadas para dizer. Tudo parecia bem treinado. Chegou à clínica, assinou as guias do plano de saúde e esperou ansiosamente o atendimento entre a leitura de um livro do Groucho Marx e diversos copos com água.

            Enfim fora chamado. Não é certo se o motivo fora a interiorização com a leitura ou pela pré-visualização de quem o chamara. Infelizmente comportou-se como um bobo, meio aluado, um idiota. Ao levantar-se, rodava  no próprio eixo à procura de alguém com cara de maluco porque, para ele, psiquiatras são assim. Parecia até que o leitor havia incorporado a personalidade do autor.  


          Ouvira seu nome novamente. E  pior que quem pronunciara sempre esteve exatamente a sua frente. Parecia uma daquelas lindas atendentes que qualquer médico esperto escolheria. Cabelos lindos, pele maravilhosa, dentes perfeitos, perfume sensual, tudo certo. Sem falar no tão belo e malvado sorriso que deixou escapar  aquela frase tão cruel: “Vamos? Sou a médica  que irá atendê-lo.” Ele pensara: “essa o Groucho me paga!”

          Ao entrar no consultório se esqueceu de tudo que havia treinado. Além de ansioso era bastante tímido. Enquanto tentava responder as perguntas de maneira racional se perdia ao lembrar dos acontecimentos anteriores. Estava tenso e era perceptível. Algumas vezes dizia ao seu pensamento: “como pode ser tão atrapalhado e azarado?”  Ao perceber o  desconforto a doce médica tentava acalmá-lo de maneira sutil e conseguia retirar informações que ele não dizia a ninguém e nem havia revelado nas terapias.

          Aproximadamente 45 minutos de conversa. No início parecia uma eternidade.  Perto do fim tornaram-se como um pequeno instante.  Tinha em mãos a receita da sua química felicidade e na cabeça uma imensa vontade de comprar lindas flores para presentear a cardiologista pela excelente indicação. A doutora do coração era bastante atenciosa e prestativa com seus pacientes, tanto que  enviou um relatório para a colega com recomendações e considerações sobre aquele caso.


          Sem muito mais para aquele dia fora avisado do término da consulta e do procedimento para marcação da próxima. Já diante da porta ouviu mais uma pergunta: “Ah! Gostaria de saber se conseguiu perceber que nós psiquiatras não somos tão assustadores assim e o que espera do seu novo tratamento?”

          Então ele respondeu: “ realmente não é isso doutora. Ao menos a senhora não. É que estou cansado disso porque sempre vivo a mesma história. Toma remédio, troca remédio, aumenta a dose, diminui a dose, respondo perguntas, enfim. Agora o que espero é que haja a revolução dos medicamentos. Que um dia eles se revoltem, se rebelem contra vocês médicos, não aceitem mais a condição de receitados  e passem a receitar. Ou seja, como exemplo hipotético, seria o meu remédio receitando a senhora. Não seria maravilhoso para o remédio?” 
          
          Abriu  a porta para sair e esconder o sorriso após a traquinagem. Antes que desse mais  um passo, de costas, pode ouvi-la novamente num tom diferente. Entre o som de um sorriso de achar graça e um leve acanhamento falou: “isso também está no relatório feito por uma cardiologista que parece  conhecer muito bem seus pacientes. Irá se divertir bastante nas sessões. Apesar de sempre querer nos enrolar em busca da sua felicidade química, como ele mesmo fala, é surpreendente por ser espontâneo, criativo e encantador. Cuidado com as situações inesperadas e carinho com ele. Risos” Fora embora pensando com que cara voltaria.      

Alexandre Menezes
Enviado por Alexandre Menezes em 13/07/2010
Reeditado em 13/07/2010
Código do texto: T2374312
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