Ripirropi

Ripirropi

Eita, que o certo era chorar, mas me deu uma tremenda vontade de rir; uma esperança! (ele: ei, gata/vem cá na minha mão/passear no meu carrão). É esse negócio que pertence às profundezas da mente humana, que ninguém explica bem – a gente deve sentir uma coisa, mas sente outra (ela: ei, gato/sei que você é quente/mas meu preço não é barato). Talvez porque, aparentando agressivo, o lance é só ridículo – mas, abafa (ele: veja aqui meu cordão de ouro/minha roupa é de marca/você pra mim ainda é barata). E o pior/melhor é a legenda – ah, a legenda! – que faz do raso mais raso ou, sendo logicamente impossível, transforma-o num caroço do inglês fermentado pelo português (ela: tô vendo que você pode/que você tem atitude/sou sua gata, me use). E interessante é que, às vezes, tudo desembesta em repetições sem fim; parece que eles pensam que a gente não entendeu a mensagem (ele: tenho carro sem capota/tenho grana, tenho erva/ vou comer sua...). E a recíproca vem, nas ventas, inacreditavelmente seguida de uma pose digna, austera, intimidatória (ela: arrã, hoje eu serei só sua/você pode me bancar/você é quente, é mal/ preciso de um general). São duas vozes, saca?, que te envolvem, que te mastigam, e põem um trago azedo em sua boca, mas você ri (duo: hoje a noite é quente/vou querer o melhor/vou atrás, e vou na frente/vou rasgar dinheiro, e o pó/é porcaria, pois essa gata/gosta mesmo de metal/precisa de um general).

Pois é, machistas de estirpe (ela: ele é quente/tem atitude e tem carrão/tem montão de diamante/vou virar a sua amante), bem-vindos ao eldorado! Pois é, feministas históricas (ele: essa gata já é minha/pois sou dono do pedaço/vou tirar sua calcinha/pois eu posso, pois eu faço!), bem-vindas ao inferno. Mas, cara, lembre-se do preço (ele: nem polícia vem aqui/pois eu comprei meu bairro/comprei ouro e mulher/carrego tudo no meu carro) exato (ela: esse cara é demais/vai me dar o que eu preciso/vejo ele e vou atrás/tem ouro no seu sorriso) da dominação (ele: sou, sou, sou demais/traço todas na mansão/veja a fila que “elas faz”/uma a uma, tá na mão), que é, primeiramente, entender que os tempos mudaram, como uma roda gigante, e, ao menos para o conteúdo de uns ripirropes a que assisti – desculpem, não havia falado que a crônica era sobre música, né?; foi mal –, se não estou desatualizado, existe um lugar em que, com um carrão, um colar de diamantes, uma aparente ligação com o tráfico e uns bons dólares no bolso, você compra um passaporte para um planeta incrível, em que as mulheres mais gostosas e reboladeiras se arrastam aos seus pés, sem se importar em ser uma de dez, nem amante oculta, nem também de dividir sua cama, simultaneamente, com outra beldade – desde que, claro, não se divida o cachê. E o melhor, ah, que maravilha! – mas fica na sua –; o melhor é que, para conseguir tudo isso, você só precisa fingir que é músico, fingir que é poeta, e fingir que, sendo milionário, tá nem aí pra dinheiro! Ah, também é importante dizer que é inimigo do sistema! Que sistema? Não sei. Mas, pelos bens de consumo que há naquela terra abençoada, acho que não é o capitalista...

Olhe, vou dizer, cá pra nós: se esse movimento social demorar a chegar aqui em Recife, eu vou é pra lá, bem pro norte!