VOCÊ NÃO TEM UM CELULAR?!
Dois fatos corriqueiros provocaram minhas idéias recentemente.
Fato um: Vi na TV o Joelmir Beting dizendo:
- Este ano alcançaremos a quantia de mais de um celular por brasileiro.
Fato dois: Um corretor, falando comigo pelo telefone fixo, pede-me o número de meu celular. Respondo que não tenho. Reinou um silêncio do outro lado da linha por alguns segundos, até que ouço a pergunta:
- Você não tem um celular?! Ninguém vive sem celular!
O Joelmir com sua informação, e o corretor com sua opinião, pareciam um relógio cuco na minha cabeça. Se para cada brasileiro há um celular, mesmo que seja do tipo “pai-de-santo”, que só recebe chamadas, retiraram de mim a pátria amada, pois não tenho um celular. E se ninguém vive sem um deles, onde vivo então? Senti-me como o membro mais novo do clube dos excluídos deste mundo - um verdadeiro morador de caverna com um tacape na mão. Quase me fizeram correr para as Casas Bahia, e sair de lá com o último lançamento numa mão e um carnê na outra.
Passei a dormir com a pergunta: “O que faz o celular ser tão desejado pelas pessoas, como foram os bichinhos virtuais para as crianças?” Achei uma resposta no início da humanidade, onde temos as primeiras cenas no jardim do Éden, envolvendo Criador e criaturas. Estas cenas não foram mudas, mas regadas de comunicação boca a boca. Eureka! Comunicação tá no sangue humano! E com isso, as velas dos fabricantes de celular enchem-se pelos ventos dessa necessidade latente, de chamar e sermos chamados para uma conversa. Os presidiários que o digam.
Ainda que a vaidade, status e a auto-afirmação empurrem mais ainda o consumo deles, tenho me divertido em ser uma ilha cercado de celulares por todos os lados. Não é raro eu tomar sustos com seus toques escandalosos ou exóticos, alguns até divertidos. Quem ouve sem se assustar, uma repentina risada demoníaca ou um lobo uivando? Como não dá para evitar, o jeito é acostumar com este caleidoscópio de sons e timbres.
Admiro alguns destes aparelhos que têm o poder de sequestrar e abduzir quem os atende, quase levando até sua alma pra longe de tudo e de todos. Levantam seus donos de onde estão sentados, e os fazem andar pra lá e pra cá gesticulando, geralmente falando audivelmente coisas que jamais diriam sobriamente em público.
Há poucos dias, voltando de um passeio com o cachorro, arrepiado ouvi alguém em alto e bom som dando ordens pelo celular:
- Me traz o 38.
Minha esperança é que ele estivesse negociando algum par de calçado.