Domingo é o meu dia de leste. Bebo em liberdade o silêncio com que me presenteia a humanidade e agradeço à Deus por tudo o que rompe da vida secreta, desnuda e transparente, do universo. Posso viver de olhos fechados sem que a sede do tempo me resseque os lábios. Posso invadir a solidão plena do estar, dissipar palavras e me achar dentro, sem fronteiras demarcadas, sem limites para ser o exatamente.

Domingo é a noite de minha primeira noite, meu primeiro instante em mim. É quando destorço os meus umbigos e declaro, sem temor algum, minha maioridade e posso, enfim, defibrilar meus pecados, trazê-los à vida e oferecê-los à morte, ainda outra vez, retomando o curso natural de tudo o que é mortal. É quando posso oferecer-me em fogos de artifícios e luzir sem medo de ser confundida com estrelas.

Domingo é meu dia de núpcias. Dia de refazer acordos, prometer fidelidade e fazer com que o amor seja eterno até que a vida, com suas nuances escureça, gradativamente, os retratos da felicidade, da boa convivência, do bem-estar comum, do próximo.

Domingo é o dia de minha águia. Dia de arrancar as velhas penas, bicar pedras, escolher o itinerário único que a mim, apenas, cabe. Também é dia de meu imaginário dragão atear fogo no que foi passado em branco e depois voar espalhando cinzas, apagando possibilidades de que os mortos revivam feitos fênice.

É no domingo que todos os meus outros dias cabem: os que passaram, os que são e os que virão. Dia de ratificar os costumes, de costurar memórias, de aviventar coragem para pular rumo ao abismo e redescobrir que o vento é mesmo domicílio de assombrações. Que o tempo é só um é, e deixar-se ser, todas as células, nesse único e imóvel instante é.

Domingo é dia de transferência de propriedades: retomo todos os meus para que, meus, possa doá-los a quem interessar possa. É dia de separar e arrumar toda minha coleção de paciência.

Domingo é o dia em que minha noite dorme em amanhãs desconhecidos, deixando um cheiro inusitado de esperança sobre os travesseiros amarrotados por meus sonhos translúcidos.

Domingo é meu dia de viver achados e perdidos.
Eliana Schueler
Enviado por Eliana Schueler em 11/07/2010
Código do texto: T2371876
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