O ESPELHO
Por trás desse monte, bem atrás, olhe melhor...force a vista...nada? Bem, por trás desse monte, que certamente só eu estou vendo...Por trás desse monte, existe um espelho. Um enorme espelho.Eu o vejo porque estou nele, sou ele. Eu espelho, eu, imagem refletida em mim. Uma mistura de formas, reflexos...Eu espelho e espalho o que vejo, eu me vejo. E, o que me devolve o espelho certamente não é o que eu gostaria que fosse, o que eu queria. Minha imagem não condiz com minha alma.
Não me quero com pele sem luz, não me quero com olhos opacados pelo tempo, não me quero cansada das estradas percorridas, não me quero desiludida dos amores acontecidos, ou não acontecidos. Não quero me ver vivendo de passado, amargando saudades, nem me quero contabilizando os dias futuros. Não me quero esmolando carinhos, nem me entregando por pura necessidade física. Não, decididamente não me quero assim.
E, então, num gesto de libertação parto meu espelho que se desfaz em mil pedaços que se espalham morro abaixo. Em cada pedaço,
um pouco de mim. Nesse, minha solidão cantada em prosa e versos, naquele a mágoa do amor desfeito, naquele outro todas as lágrimas vertidas por minha vida toda.
Só eu estava lá, era um ato pessoal e intransferível. Só eu me ví renascer dos cacos. E, descendo o monte, me vejo como gostaria. Minha pele está macia e cheira a tâmaras do deserto, meus olhos estão límpidos tal qual a mais pura fonte, sararam as dores de amores e consigo correr lépida pela estrada que para mim se abre me levando a um novo amanhecer. Minha alma, ah...minha alma, essa exulta com cânticos celestiais.Pouco importa se anos, meses, dias ou horas me restem, porque serão o suficientes para que eu ame novamente e seja muito, mas, muito feliz.