UM IDEAL, UM SONHO

UM IDEAL, UM SONHO

Era uma criança pobre igual à maioria das crianças pobres da sua comunidade.

Suas origens se perdiam nos meandros dos segredos de família e esta criança não imaginava e jamais viria a saber a verdade sobre quem eram seus verdadeiros pais, contudo, como iremos ver este fato não terá nenhuma influência no seu ideal nem no seu sonho.

Seus pais adotivos, ignorantes, semi-analfabetos sentiram o impulso de transmitir-lhes os poucos conhecimentos que tinham e ensinaram-lhes as “primeiras letras” e as principais “peças de contas”, e assim já foi para primeira escola sabendo de alguma coisa.

A freqüência à escola despertou-lhe a curiosidade do saber tornando-o um exímio perguntador que, às vezes, aborrecia a quantos dele se aproximassem, pois sua sede de descobrir o por quê das coisas era insaciável.

Daí, nasceu o ideal de perseguir o conhecimento e de chegar a ser como os personagens dos livros que lhe caiam às mãos.

Primeiro quis ser um padre para falar aquela língua bonita em que era celebrada à missa, depois desejou aprender as línguas faladas nos outros países, o falar meloso do espanhol, o palavreado enrolado dos ingleses, a língua sussurrante dos franceses, os gritos guturais dos alemães, a verdadeira metralhadora que é o falar dos japoneses. Tudo isso o encantava e alimentava sua dedicação aos estudos, devorando vorazmente além das matérias curriculares, biografias de cientistas, a origem das religiões, até daquelas exóticas como a dos rosa-cruzes, tudo a fim de alcançar o ideal do saber.

Em meio a todo esse processo de conhecimento apareceu-lhe um sonho singular. A palavra doutor soava aos seus ouvidos infantis de uma maneira tão especial que o seu ideal foi ofuscado pelo sonho de um dia alguém o chamar de doutor.

Ele não tinha a noção correta do que seria ser doutor, apenas ouvia seus pais chamarem o médico, o dentista, o advogado de doutor, mas não fazia parte do seu universo o fato de doutor é aquele quem curso de doutorado e defende tese, para ele bastava seu sonho que sabia realizável de um dia ser chamado doutor.

Terminado o segundo grau deparou-se com a impossibilidade de fazer um curso superior: não tinha condições financeiras para tal nem quem o ajudasse. E o seu sonho de ser doutor? Colocou-o em hibernação como se fora um urso polar e manteve a esperança de no futuro acordá-lo e seguir seus planos. O tempo passou, conseguiu emprego, casou e depois de ser pai surgiu a oportunidade de fazer um curso superior e realizar seu sonho a mais de vinte anos adormecido em seu coração.

Entrou na faculdade, concluiu o curso, Deus sabe como, mas movido por motivos outros, não foi o de direito, nem odontologia, nem medicina nem qualquer outro que as pessoas o chamassem de doutor.

A vida continuou e por ironia do destino chegou à velhice, o sonho continuou no local mais recôndito do seu coração, irrealizado, e com a certeza de que a morte chegaria e o levaria sem que nunca, alguém o chamasse de DOUTOR.

PS. Mais uma interessante crônica do nosso amigo Arli Amilton, com um segredo: essa narrativa faz parte da sua auto biografia e ele cursou

Estatística e tornou-se um alto funcionário do IBGE, hoje aposentado.