Posta restante
Teria o e-mail liquidado com a carta? E-mail não é carta. Novas gerações surgirão sem saber o que é uma lambida bem dada num selo. Jamais os perdoarei. Jamais perdoarei esse viver sem saber esperar mensagem no portão.
Os carteiros deviam receber dinheiro extra por servirem de cupido. E-mails não permitem carteiros como cupidos. Eles chegam com a invisibilidade dos discretos. Chego a pensar que é impossível acreditar num mundo sem carta, selo ou telegrama. Procuro aliviar a minha dor. Procuro comprar um manual: “De como escrever e-mails”. Com havia antes para as cartas. Mas não estão disponíveis no mercado, nem naquelas edições que avisava sobre a seriedade burocrática de uma missiva. Havia manual.
A pior carta do mundo era de adeus, “adeus amor eu vou partir, ouço ao longe os clarins”. Terrível, sombria como o queixo caído por duro golpe para ser de amante desiludida. As lágrimas dramaticamente geladas pingavam na leitura. Vai infeliz cumprir o seu destino de adeus! Vai! Mas vai mesmo! O perfume era o requinte da crueldade.
Decerto merece atenção da imprensa o fato de certa conspiração quanto ao fim das cartas postais. Elas continuam e é impossível apagar da memória o tom persuasivo desse espectro surgindo aparentemente grátis em nossas mãos. Os selos nos davam à idéia de que havia no valor uma arte a mais, um plano virtual. D. Pedro II era virtual longe do tempo em que na Inglaterra quem recebia era quem pagava. Foi essa gratuidade quem imortalizou as cartas, você recebia uma alarmante, mas pelo menos não tinha nada que ver com o pagamento aos correios. Hoje quando abrimos à página da web nos é cobrado o tempo de uso da memória, apesar do valor mensal pré-pago. Bacana ser moderno, né?
Ai carta, mistério de prazer, vivendo o inofensivo gigantismo de um envelope... Aquelas folhas finas exibiam a mais doce caligrafia adorada. (O único meio de reviver as cartas é revolucionando os envelopes graficamente). E-mail não tem nada disso. E-mail é pobre, mantendo-se graças à eterna negociata de tudo, no tedioso clamor de oferta nesse mundo sempre vendendo.
Carta era tudo. Podia ferir, porém curava. Havia recurso para sarar o extremo mal de amor. Bastava reunir com o tempo um maço desses pacotinhos de novela subjetiva, que eram deixados debaixo da porta, para aquecer as mãos na fogueirinha. Queimar carta curava mal de amor entranhado na hora. Era batata. Quando não eram entregues as traças daninhas que comem letras e depois palavras inteiras. E-mail não sofre o ataque das traças, podem conter vírus, vírus dá idéia de pandemia, jamais de amor, além disso, não tem a menor graça ficar se livrando deles numa tarde de chuva ouvindo Tom Jobim...