O ÓCIO DAS TEORIAS V

Quarta-feira passada, em pleno meio-dia, eu corria de um lado para o outro, no centro da cidade, primeiro, fazendo um favor aos meus sogros (por incrível que pareça eu quero bem ao sogro e, mais ainda, à sogra) pela incumbência de retirar o dinheiro de suas aposentadorias (ter confiança dá nisso!) e, segundo, fazendo alguns pagamentos dos mesmos (água, luz, telefone). Ao sair de uma agência bancária, mais do que acelerado, dou de cara com quem? Quem? Com o grande teorista Rodolfo.

A satisfação de vê-lo foi imensa – acredito que a recíproca foi verdadeira, pois o aperto de mão foi caloroso – e, mesmo apressado, resolvi que valia a pena deixar o tempo passar e ficar na companhia, sabendo das novidades, de um grande estrategista monetário. “Quem sabe, pensei, eu não aprenda, de vez, a cuidar dos meus poucos recursos financeiros, através das dicas do famoso amigo que, além de economizador, ainda consegue multiplicar o seu erário de uma forma surpreendente?

-Grande Rodolfo! – cumprimentei-o apertando sua mão.

-Como vai Raimundo? Tudo bem? – devolveu a gentileza de maneira cordial.

-Me conta as novidades, homem. – perguntei, louco para saber o que ele andava fazendo.

-Tudo velho, no momento. Mas, eu cheguei de Nova Iorque, agora no primeiro semestre, não soube? – perguntou-me com uma clara satisfação de querer contar-me o que ele tinha aprontado por lá.

-Não, não sabia. Conte-me tudo, desde o início, de como foi essa viagem, porque foi e o que aconteceu por lá! – disse-lhe, convicto de que iria ouvir algumas “pérolas”, como de costume.

-Homem, eu estava aqui, na nossa cidade, visitando um amigo, quando ele me apresentou um rapaz americano que estava fazendo intercâmbio. Ele era de “New York” (já falou ele com um sotaque americano todo invocado) e conversa vai, conversa vem, e eu aproveitando – de graça – para exercitar o meu “English”. Ele me disse que lá tinha uma escola de inglês para estrangeiros que era muito frequentada por brasileiros. Eu me interessei um pouco mais e quando ele me disse que, se eu quisesse ir para lá, podia ficar na casa dele, eu o peguei na palavra! Já aceitei de cara!

-E o rapaz não se assustou, Rodolfo? – perguntei contendo o meu riso.

-Se se assustou, não sei. Só sei que já saí de lá com endereço, telefone e mapa de como chegar ao Brooklin – respondeu ele com um imenso contentamento pela rapidez da “esperteza” e do raciocínio.

-Certo. E depois? Como foi que você fez para poder levantar a grana para a viagem, estada e mensalidade do curso de inglês? – cutuquei-o já me escorando num corrimão de entrada da agência bancária, esperando a “preciosa” resposta.

-Bem, o dinheiro das passagens até que não foi difícil. Só me valeu uns poucos sacrifícios pessoais. Mas, como eu sou acostumado, nem percebi direito, disse ele, e continuou: no trabalho, três quartos do que ganhava ia para a poupança e, mesmo assim, estendi a “poupança” para o restante das coisas. O carro eu só andava nos finais de semana, cortei a merenda na Universidade para um dia três não, nas festas só quando havia cortesia das entradas e aboli, de vez, presentes para a namorada e gastos com jantares e barzinhos.

-E o dinheiro das mensalidades do curso? – perguntei de teimoso, mas já sabia que a resposta seria mais ou menos esdrúxula como tinham sido as das passagens.

-Alugava meu equipamento de som e vídeo. Você os viu uma vez na festa de Santa Luzia, lembra? – concluiu o digníssimo Tio Patinhas.

Balancei a cabeça afirmativamente. Fiquei pensando: nem vou perguntar como foi lá. Acho que vou me despedir sem saber, pois, com toda certeza, o desenrolar é pra lá de duas horas de conversa! Mas, curiosidade é curiosidade e eu caí na besteira de perguntar como tinha sido a sua permanência lá.

-Legal. Eu pensei que ia gastar muito, mas, pra falar a verdade, lá nos “States” só gastei mesmo com o metrô e a mensalidade do curso. – disse-me orgulhoso.

-E com o resto, quero dizer: alimentação, tour, compras, etc. – confesso que estava curioso com o que iria ouvir.

-Meu caro professor, você me conhece. Sabe que eu tiro de letra essas coisas. Mas vou lhe dizer por etapas: primeiro, como eu estava na casa desse “amigo”, a comida era de graça e eu só saía de casa para conhecer alguma coisa se fosse com eles, portanto, tudo corria por conta da amabilidade hospitaleira da família; segundo, o dinheiro do metrô, eu só gastava um por dia, pois rodava todos os bairros com uma passagem apenas; terceiro, a alimentação, enquanto estava no curso, eu não pagava.

-Como assim, cara? Em Nova Iorque, em um restaurante desconhecido e você não pagava pela refeição? Como pode? – Dessa vez, se eu sofresse de ansiedade, eu teria morrido, tanta era a curiosidade.

-Simples, meu caro, disse-me com uma calma espantosa, mas, no fundo, ele estava era se divertindo com a minha impaciência. No primeiro dia do curso, na hora do almoço, eu pesquisei, pelas redondezas, o restaurante “mais em conta” e convenci a todo mundo - que estava fazendo o curso -, a ir almoçar naquele que eu indiquei – era mais barato, a comida boa, o atendimento excelente, a demora pouca – e, como eu fui o “pai” da ideia, eu conversei com o dono e propus a ele que, se eu levasse uma certa quantidade de pessoas, por dia, para almoçar no restaurante dele, ele me daria uma cortesia.Trato aceito, trato feito. Todo dia eu levava uma quantidade de pessoas e, em contrapartida, a minha refeição era de graça.

Depois dessa, só restou me despedir do amigo, desejar-lhe uma boa semana e, na saída, ele ainda me disse:

-Aí, eu estou planejando uma viagem para a Ásia. Conheci um sul-coreano, lá no curso, e ele me convidou para visitar o seu país. Quem sabe eu não vá aprender a sua língua?!


 


Obs. Imagem da internet
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 11/07/2010
Reeditado em 07/12/2011
Código do texto: T2370984
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.