Não escrever
Pois bem, o que significa esse título? Já lhes explico. Primeiro quero situá-los na minha linha de raciocínio.
Todos aqui que possuem alguma atividade para executar por prazer, algum “hobby”, por assim dizer, já devem ter passado por momentos como esse. Aquele momento em que você simplesmente não está com a mínima condição de fazer o que gosta, por mais que goste.
Hoje, por exemplo, é um destes dias em que eu absolutamente não me vejo capaz de escrever. Opa, mas o que eu estou fazendo aqui, então? É, é o que eu gostaria de saber...
Há sempre algum dia em que eu vejo as palavras se formando na minha frente de forma tão absurdamente rápida que até me parece mágica. É fácil demais, até. Como no dia em que eu terminei de ler “A Menina Que Roubava Livros” e, encharcado por todas aquelas emoções que havia absorvido da história, eu me pus a escrever e o texto formou-se sem problema algum. Em nenhum momento precisei parar para formular alguma frase. Não, as coisas a se dizer estavam todas na minha cabeça, as frases se seguindo compulsoriamente, sequer dando tempo para que os meus pobres dedos descansassem. Naquele momento eu me sentia o escritor mais inspirado do mundo. E as coisas aconteciam de acordo. Agora, existem também os dias de “blackout” absoluto.
Hoje é um dia desses. É ligeiramente agoniante. Eu aqui, sentadinho confortavelmente em frente ao computador, mãos preparadas, visão aguçada e... nada. Nem uma ideia. Nadinha. Eu olho para um lado, olho para o outro, encaro quem passa pela sala onde estou, vislumbro o céu através da janela entre-aberta, procuro alguma deficiência no acabamento das paredes ou na pintura da porta. O lado bom dessa incapacidade intelectual é que eu acabo por conhecer muito melhor o ambiente onde estou. Por exemplo: hoje estou aqui na cozinha de casa, tentando escrever. E agora, enquanto pensava em que frases colocar aqui para enrolar por mais algumas linhas para alcançar o tamanho de texto adequado e poder postá-lo, notei que... Bom, pra ser sincero, não notei nada que realmente merecesse algum destaque. Incrível, esta cozinha está absolutamente impecável. Como é que pode? Justo hoje, quando eu preciso desesperadamente de uma anormalidade sobre a qual comentar, as coisas me parecem todas em seus devidos lugares. Soa meio como que um “complô” cósmico. Será que, quando não inspirado, não se deve realmente tentar escrever?
Não posso acreditar numa barbaridade dessas. Quero dizer, comigo nem é um grande problema. Eu escrevo por gostar de escrever. Se ficar um dia ou dois sem pôr palavra nenhuma no papel, ninguém morrerá por isso. Agora, imaginem essa mesma situação acontecendo com algum cronista profissional, por exemplo. Conseguem visualizar a encruzilhada em que se encontraria o pobre infeliz? Um prazo que estoura em pouquíssimo tempo, um número mínimo de linhas a serem escritas e você ali, impotente, o teclado do seu computador imaculado, tão puro quanto a folha em branco do editor de textos e, ressoando em sua mente, o pensamento contínuo de que o seu editor-chefe vai lhe fritar em óleo quente se você tornar a furar o prazo limite de entrega do material. Ah sim, pois é óbvio que você já passou por isso antes. Ou você acha que é muito raro que um escritor veja sua fonte de ideias tão seca quanto uma latinha de leite em pó?
Nossos dias de impotência intelectual, ou pelo menos os meus, são bastante comuns, para falar a verdade. E para esse tipo de broxura, não há Viagra disponível. Pelo menos não que eu saiba.
Aliás, uma coisa engraçada agora. Vocês sabiam que existe uma grande diferença entre “broxura” e “brochura”? Além da grafia, é claro.
“Brochura” é uma palavra realmente oficial, por assim dizer, do nosso idioma. Ela se refere a uma espécie de livro cuja capa costuma ser de um material bastante maleável e que é costurada ao miolo do mesmo, deixando-o com um aspecto bem frágil.
Já a “broxura” é uma palavra mais informal, utilizada entre amigos ou em conversas com um tom mais coloquial, referindo-se normalmente ao estado de falta de potência sexual de um determinado cidadão infeliz. Interessante, não?
Certo, agora eu olhei para este texto e me veio a pergunta: como diabos eu consegui vagar de um relato sobre a falta de criatividade para uma aula acerca de conhecimento de léxico? Hiperatividade mental, talvez?
Se for o caso, isso não jogaria por terra tudo o que vim dizendo até agora? Que a criatividade não está presente todos os dias, que em determinados momentos, é simplesmente impossível que se consiga produzir alguma coisa boa o bastante para que seja exposta?
Pois é nisso que eu acredito. Criatividade é uma fonte ilimitada, só é preciso saber usá-la. Em certos momentos, nós tentamos nos convencer de que não seremos capazes de fazer alguma coisa, ou de conseguir desempenhar bem alguma tarefa, mas apenas por causa de um medo subconsciente ou coisa que valha. A nossa criatividade, nossa capacidade estará sempre conosco, sempre presente e à disposição. O que é preciso é que nós estejamos dispostos a pôr as mãos a obra.
Falta de criatividade é falta de vontade, com uma camuflagem meia boca, eu diria.
Não fosse o caso, esse trem de bobagens não teria saído da estação, certo? Ou vocês realmente acreditam que eu iria de assuntos tão opostos em tão pouco tempo se estivesse com alguma restrição? Não iria. Se fiz o que fiz, é porque eu acreditei e quis.
Fica a breve lição de moral para todos: muitos de nossos obstáculos, somos nós mesmos que erguemos. Saber reconhecer quais destas barreiras são tentativas de nos “auto-sabotar” e conseguir superá-los é essencial para que possamos nos dar bem na vida.
E o texto está confuso, eu sei. Mas creio que você terá condições de entender tudo direitinho. Ou vai me dizer que não está inspirado para fazê-lo?