OS OUTROS

A trágica morte de Angélica Weissheimer, minha amiga, jornalista e apresentadora da RBS TV, me faz refletir sobre o papel dos outros na nossa vida. Angélica foi assassinada por um motorista que ultrapassou no momento errado. Todo mundo quando viaja fala que não basta dirigir com cuidado. Além de tudo, é preciso contar com o bom senso dos outros. Os outros estão sempre pondo em risco ou ajudando. E isto acontece sempre, a toda hora, e não apenas nas estradas.

Como num jogo de xadrez, o ser humano é, certamente, o animal do universo que mais dependente dos outros para atravessar o tabuleiro do mundo. Da concepção à morte, cada passo que damos é configurado muito mais pela vontade alheia do que pela nossa. Fingimos que somos autônomos, senhores de tudo. Grande ilusão.

Antes de nosso nascimento, precisamos da atração entre um outro e uma outra. Uma cópula de estranhos juntou gametas e aportamos no mundo. Concebidos, precisamos do sangue e dos nutrientes de nossa mãe. Nascidos, precisamos de um seio, carinho e afeto.

Um pintinho irrompe a casca e logo está correndo no pátio e procurando alimento. Rompida a bolsa, desaguamos ao mundo frágeis, imóveis, e desdentados. Os outros nos protegem, nos cuidam, nos alimentam liquidamente na boca até endurecermos os ossos, até nascerem nossos dentes para mordermos o primeiro outro, o bebê de um vizinho que se apossou de um brinquedo nosso.

Ente os outros, os pais são os primeiros. Logo receberão o auxílio dos colegas de escola, dos amigos na adolescência, da mulher ou homem de nossa vida, do chefe, dos políticos que escolhem e decidem por nós. O cotidiano está cheio de outros, e outros, e outros. E como dizia Sartre, são um inferno.

Não é apenas nas estradas que o erro dos outros nos mata e seu acerto nos salva. Todos os dias, os outros nos ajudam e nos atrapalham, nos motivam e nos sacrificam, nos animam e nos desanimam, nos alegram e nos entristecem. Os outros, com seus erros e acertos, determinam quase tudo o que somos. E o pior é que, por bem ou por mal, somos feitos para a intersubjetividade, com seus bônus e ônus. O inferno quase sempre são os outros. O paraíso também.

Por essas e outras razões, é preciso o cuidado a si próprio, mas, sobretudo, o cuidado dos outros. Talvez tenha sido por isto que Jesus recomendou o amor aos outros como o amor a si mesmo. Se estivermos rodeados de boas pessoas, de gente prudente e sensata quando dirige, quando governa, quando ensina, quando trabalha, estaremos a salvo.

O mundo seria muito melhor se, a cada conduta individual, pensássemos no impacto nos outros. Pense o pai no filho, o professor no aluno, o escritor no leitor, o político no eleitor.

Se aquele motorista tivesse pensado que na outra pista alguém poderia estar vindo, jamais se arriscaria em uma ultrapassagem perigosa e fatal. Contrário do que se diz por aí, tanto nas estradas quanto na vida, não acho importante vigiarmos os erros dos outros. O mais importante é cada um de nós nunca esquecer que somos o outro dos outros. E tratar de não ter nenhuma conduta, na estrada ou na vida, capaz de machucar, ferir, ou matar. Querendo ou não.

Pablo Morenno
Enviado por Pablo Morenno em 10/09/2006
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