Jesus Cristo na Playboy

   Procurei nas bancas, mas não encontrei um exemplar. Fiquei puto da vida. Pressuroso, recorri ao seu Zeca. Esse magnífico sujeito, de uma finura invejável, nunca me deixa sem o jornal ou a revista que provoca alguma polêmica.
    Às vezes, nem preciso ir até sua banca, ao lado do meu prédio, e que há anos frequento. O Zequinha bota tudo num saquinho plástico transparente e manda deixar na portaria do meu edifício com um bilhetinho, quando cabe, discreto e irônico.
     E aí, eu o interpelei, cobrando-lhe a Playboy mais comentada dos últimos tempos.
E ele: "Já sei: é a que homenageia o Saramago trazendo na sua capa uma mulher seminua nos braços de Jesus." Confirmei, com leve e esperançoso aceno de cabeça.
    Desculpou-se, alegando que, por ser uma Playboy portuguesa, não fora possível adquirir os exemplares que desejara.
    Admitindo, em seguida, que foram muitos os que a procuraram. Inclusive um beato seu amigo, e meu também. Logo ele, observei, que costuma comprar revistinhas de palavras cruzadas ou as que comentam as novelas em cartaz.
     O Zeca prometeu-me fazer "o possível e o impossível" para me arranjar a "Playboy do Saramago". Garanti pagar em dobro pelo inusitada revista.
    Contando a um amigo carola esta minha incontida vontade de adquiri-la, fui acerbamente criticado. E ainda me repreendeu por lhe ter enviado, no bojo de um e-mail malandro, as fotos publicadas na Playboy do Saramago mostrando Jesus ao lado de provocantes mulheres, em posições eróticas!
    Mas, diga-se de passagem, são fotos muito bonitas, com a figura triunfante de um Cristo feito homem - Et Verbum caro factum est - como O queria o saudoso escritor lusitano     
    Caíram de pau em cima da Playboy do Saramago. E era de se esperar. Só os ingênuos podiam imaginar que, apesar da beleza das fotos exibidas, essa revista, especializada em mulheres desnudas, fosse recebida sem restrições; pacificamente; ou como o mais novo catecismo ilustrado narrando a vida do Mestre.
    Surpreendido com o que vira até então, achei que não devia manifestar-me sobre a Playboy do Saramago. Fosse para aplaudi-la, fosse para condená-la. Levado, porém, por um inexplicável impulso, de súbito me vi escrevendo este pífio comentário.
    Deixo, de logo, bem claro, que na minha santa ignorância, sempre achei que, em nada a imagem de Jesus, como homem, seria arranhada, se sua paixão carnal por Madalena fosse reconhecida, tantas foram suas demonstrações de amor por Miryam de Mágdala.
     O sacerdote, teólogo ortodoxo, Jean-Yves Leloup  não se constrange em comentar, no seu livro Jesus e Maria Madalena,  o Evangelho de Felipe, onde está dito o seguinte: "O Mestre amava Miryam  mais que a todos os discípulos, e a beijava (não se assustem!) frequentemente na boca."   Por que, afinal, Ele não podia ter uma namoradinha? "O Verbo se fez carne e habitou entre nós".

     Tenho repetido, que muito melhor seria fazer prosperar a hipótese do amor carnal Dele por Madalena, do que dá-se destaque e crédito àquela história de Seu exagerado apego pelo "discipulo amado", provocando interpretações malévolas e totalmente descabidas. 
   Se Jesus, de fato, amou Madalena, fê-lo muito bem. Praticou, com humana intensidade, o que Ele mais pregou na sua vida terrena: o amor.
   Sem delongas, quero declarar que não conheço, com profundidade, a obra do Saramago.
   Mas o que tenho lido dele e sobre ele me faz vê-lo como um ateu consciente, sincero e coerente. Nunca se escondeu sob o manto da hipocrisia; e nos seus livros, deitou, com exuberante franqueza, suas convicções religiosas, dizendo claramente no que acreditava e no que não acreditava. 
     Diria que nenhum título melhor lhe coube do que o de "Santo sem Deus", encontrado num artigo publicado no site católico Amai-vos, dias após a sua morte.

     Olhando para as fotos da Playboy, que em boa hora me foram enviadas, me fiz esta pergunta: será que o autor de A Paixão Segundo Jesus Cristo aprovaria o que a revista acaba de publicar, para celebrar a sua memória? Tenho minhas dúvidas. Ele não vulgarizaria suas idéias sobre Religião, a ponto de permitir que Cristo aparecesse com mulheres fúteis, exibindo suas coxas e seus seios fartos. 
     Na minha modestíssima opinião, as mulheres da Playboy do Saramago jamais poderão ser comparadas com as mulheres que acompanhavam o Rabino, nas suas andanças pela Palestina.
     Nem Madalena, injustamente rotulada de prostituta, acho eu, insignificante cristão, pousaria nua diante dos olhos de Jesus, que pode ter sido o seu grande amor.
     A Playboy do Saramago pode vir a ser campeã de venda. Não duvido. Mas não mostra as mulheres que certamente assediavam o Nazareno. Sobre essa revista,  até gostaria demais de ouvir a opinião do José Saramago.         
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 10/07/2010
Reeditado em 12/08/2013
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