“Eu sou neguinha?”
“Eu sou neguinha?”
A música forte de Caetano bate em formas muito diferentes. Já houve acusações de ser uma letra racista, de estar havendo excesso do patrulhamento do politicamente correto.
Creio que se pode abordar com mais detalhes. O que tenho pensado é porque a música pega como chicle? Por que a letra penetra na alma?
Deve ter mil e duas mil razões. Tenho pensado, “Eu sou neguinha?”, traz o momento de indefinição, se você vai ou não vai, se é ou não é.
É a encruzilhada!
A música e letra trazem infinitas mensagens inconscientes. Pega geral!!
“No tempo em que eu sonhava” (Belchior) e fazia poesias nos botecos, caminhando como Agostinho Neto, militante e poeta (presidente emérito de Angola), mostrei as pobres letras a um amigo. Ele leu e perguntou: “Você escreve de cara limpa?” “Tá tudo muito direto!”
“Eu sou neguinha ?”, não é direto, entra por diferentes formas na sua cabeça:
Eu Sou Neguinha?
(Caetano Veloso)
“...
Eu era o enigma, uma interrogação
Olha que coisa mais que coisa à toa, boa boa boa boa boa
...
Bunda de mulata, muque de peão
Tava em Madureira, tava na bahia
No Beaubourg no Bronx, no Brás e eu e eu e eu e eu
A me perguntar: Eu sou neguinha?
...
Eu não decifrava, eu não conseguia
Eu sou neguinha?
Eu sou neguinha?
Eu sou neguinha?”
A música surgiu em minha cabeça numa reunião, quando um jovem de pele “parda” (arghhh!), disse que não quer ser olhado como negro (a história é longa, mas tão interessante que conto em outra ocasião). Assumia suas origens afro, mas que hoje isso era coisa do passado.
Pensei tempos de Obama, pós-racial, raça só existe uma: a Humana.
Sou velho militante da fundação do MNU (Movimento Negro Unificado contra a discriminação racial 1978). Como dizia e escrevia um antigo “líder do movimento negro” que tinha espaço na alta mídia, “esses negros com um discurso antigo, ressentido...” Sou um dinossauro, mas muito bem atualizado.
A questão não é isolada, a uma reunião, nem a posição do companheiro que não quer ser classificado como negro. O jogador Neymar do Santos, fez uma declaração polêmica dizendo não ter sofrido preconceito “por não ser preto”.
Jogador Neymar
Quem comprou essa discussão foi o ex jogador Paulo Cesar Cajú, em entrevista para Folha de São Paulo, perguntando: Neymar é amarelo?
Campeão do Mundo com a seleção de 1970, o ex-jogador Paulo César Caju ataca a desunião da categoria no Brasil e diz lamentar a falta de consciência dos atletas negros
Folha - O que acha da frase do Neymar dizendo que não se considera negro?
Paulo César Caju - Qual a cor do Neymar? Pelo amor de Deus! Essa é a diferença entre o americano e o brasileiro. Americano fala: "Eu sou negro". Não tem essa de mulato. Tem raça preta, branca e amarela. Neymar é amarelo?
(texto pode ser lido em http://www.geledes.org.br/sos-racismo/neymar-e-amarelo.html)
A questão não é nova, Ronaldinho levantou a polêmica ao dizer em alto e bom som que não é negro. Nem mesmo sua retratação serviu para pôr panos quentes no assunto.
A revista Raça Brasil, na época reuniu jovens, e fez uma matéria fantástica:
“ SER NEGRO É UMA QUESTÃO DA COR DA PELE?” Merece ser relida hhtp://racabrasil.uol.com.br//Edicoes/88/artigo9206-2.asp
É a visão de jovens que se assumem como negros independentes da cor da sua pele. Não é fácil até hoje nos meu quase 65 anos, sou cobrado, pela minha afirmação étnica. Sou negro, mas não apenas negro! (Esmeraldo Tarquinio).
“Mas o cara é branco!”, “O branco que pensa, que é negro”, e até de “Racista”, foram várias frases que ouvi na minha vida, (já um tanto longa...rsrsrs).
Hoje para quem não me conhece, é estranho ver os velhos companheiros, hoje negros velhos respeitáveis, desses que os moços fazem questão de chamar de senhor, me considerarem um militante “companheiro negro das antiga”. Hoje somos a Velha Guarda, atuante e consciente.
Não é fácil no Brasil, se auto-afirmar. Mas é uma questão vital.
Fiquei contente de receber o email, de uma filha de amigos, o Nick dizia com orgulhoso: “Preta...”, há jovens e jovens....
O cantor Gerônimo, em 1987, colocou o Brasil para cantar o refrão: Eu sou negão
Meu coração é a liberdade
Gerônimo do Curuzu ilê, tem a pele clara.
Amigos me diziam, quando uma pessoa de pele clara, se afirma como negro. Quem tem a pele mais escura, e se afirma como branco, como fica?
“Eu sou neguinha?” Aí cabe muito bem, a questão!
Banda Fanstasmão
Estou encantado com um grupo de jovens de Salvador. A Banda Fantasmão, onde pessoas de várias tons de pele canta a igualdade dos guetos. Letra reta e direta.
O rosto pintado como no livro de Frantz Fanon, trechos da poesia de SolanoTrindade.
Sua música: Eu sou negão leva na letra, um discurso, que assino em baixo.
No You Tube onde está a música já teve mais de 350 mil exibições. http://www.youtube.com/watch?v=b23M3u6w5ZY
Eu sou negão
Banda Fantasmão:
Eu te digo que você sai do ghetto
Mas o ghetto nunca sai de você
Se é que você tem o ghetto no coração*
Eu sou da favela
Eu vim do ghetto
Batendo na panela, derrubando o preconceito
Pra você que pensa, que nego correndo é ladrão
Tem branco de gravata
Robando de montão
Mas pra você do samba
Que não tem classe, não tem cor
Que vai bater seu peito
E despertar o amor
Eu sou negão, eu sou do ghetto
E você, quem é?
Sou fantasmão, eu sou do ghetto
E você, quem é?
Eu vim de lá, de lá eu vim
Não foi tão fácil chegar aqui
Esse microfone, é meu armamento
Sou fantasmão,
Tou pronto pro arrebento
Eu sou negão, eu sou do ghetto
E você, quem é?
Sou fantasmão, eu sou do ghetto
Eu acredito no homem
De cabelo crespo, de pele escura
Que andava entre mendingos e leprosos
Pregando a igualdade
O homem que é chamado Jesus
Só ele sabe a minha hora*
Vou voltar a fazer poesia
http://socialistatrabalhista.blogspot.com/2010/07/eu-sou-neguinha.html