O ENIGMA DO ESPELHO

O ENIGMA DO ESPELHO.

Aclibes Burgarelli. ?

Um grande lago, calmo, sereno, águas límpidas represadas em grande bacia natural, ladeada de montanhas. Umas totalmente cobertas de árvores de pinho, em tom verde fosco a desenhar o horizonte; outras, também com as mesmas árvores, mas com aberturas por entre as quais imperavam paredes minerais. Montanhas e árvores direcionadas para o alto, ao longo de ondas prontas a dispararem suas pontas em direção às nuvens brancas e algodoadas, no vazio do azul celeste.

Vegetação baixa mais próxima do lago a revelar, em algumas partes, um imenso tapete verde em declínio até dobrar-se para tocar as águas do lago, sob a forma de um carinhoso beijo. Flores perfumadas e engalanadas com os vôos e trinados das aves, tão estridentes, porém tão suaves para aquele momento. Animais de pequeno porte saltitando, outros parados a olhar o horizonte, sem a percepção da imagem formada no espelho das águas, pareciam estar invertidos no lago com as patas presas no espelho.

A brisa perfumada fazia com que pequenas ondas se movimentassem na sequência harmônica do caminhar frenético, em direção à margem. Eram rápidas, porque havia de parar tão logo cessasse a brisa provocativa.

As águas cristalinas, estagnadas, brilhantes e calmas, formavam um grande espelho a captar as imagens laterais e superiores. De modo fenomenal dois mundos; de modo real, um só refletido no espelho do lago, por causa da ação das imagens sobre o líquido. O lago espelhado não era cópia da realidade exterior, mas refletor dessa realidade. Duas imagens, uma só existência. A realidade exterior e somente esta provocava o fenômeno da duplicidade aparente.

Se, de alguma árvore se desprendesse uma folha, ou um ramo ou mesmo uma pequena semente, o contato com a água provocava vibrações vistas sob a forma de círculos que aumentavam o aro até desaparecerem. Sem as interferências das ações naturais e ocasionais, o espelho permanecia fixo e suas imagens nítidas duplicavam as imagens do mundo mineral, vegetal e animal.

A flora era senhora absoluta, no seu reino, da grande imagem refletida no espelho do lago; porém, sem poder discernir sua beleza refletida; A fauna também dispunha para si do mesmo cenário, mas, outrossim, sem propriedades inerentes ao entendimento de que ali a natureza concreta convivia à natureza refletida. O real e o duplo refletido, entretanto, estavam presentes sem possibilidade de indagação inteligente por parte da fauna e da flora presentes e participantes do belo cenário que a cada minuto, sem que houvesse ação nociva, evoluía em rumo à beleza.

A naturalidade do cenário, cuja causa pode perfeitamente ser encontrada por intuição, com desprezo às palavras convencionais, na idéia de existência de Ser Superior, ou mesmo Inteligência Superior, Universal, Permanente, Onipresente e Imortal.

A ordem natural a que nos referimos e que está identificada na cena que se descreveu, pode mesmo ser explicada pela ciência, cujo objeto são os fenômenos naturais de luz, energia, massa, movimento, hidrogênio etc. Há que se considerar, entretanto, que os mesmos fenômenos envolvem figuras do reino mineral, vegetal e animal, os quais, por si só, não reúnem condições para alterações voluntárias do cenário. Não são dotados de inteligência, dádiva de Ser Superior

As espécies do reino mineral, sequer podem se movimentar para interferência na forma refletida no lago, porque não são animadas. As espécies vegetais, de outra forma, embora dotadas de vida, também não reúnem condições naturais de movimento até o lago. As espécies integrantes do reino animal, estudadas pela zoologia, mesmo com vida, movimento e instinto, também não são dotadas de discernimento para eventuais ações adredemente esboçadas na vontade.

Posto o quadro, como o foi, não se há falar de modo algum em mudanças, quanto aos reflexos no espelho do lago do alto das montanhas, sem que o queira o Ser Superior.

Até este momento, não se cogitou da presença de outra espécie, que integra o reino animal, da classe dos mamíferos, na ordem dos primatas, do gênero humano, porém da espécie sapiens: o ser humano.

A presença do ser humano, no lago que reflete a realidade natural exterior, será responsável pela manutenção do cenário, por alteração do cenário ou por eliminação do cenário. A possibilidade decorre da natureza pensante do ser humano; de seu arbítrio para provocar alterações nocivas ou laborar em manutenção preservativa. Age como quer, tanto para o lado ordenado, como para o lado desordenado. Constrói, mas igualmente destrói; melhora, mas também piora; faz evoluir, mas também faz estagnar e, às vezes, piorar. O ser humano, por ser sapiens difere de todas as demais espécies dos reinos mencionados.

Saber o que pode acontecer com a ação do homem sobre os reinos não está fora de previsão, entretanto, ainda assim, a previsibilidade, em regra, é relegada a plano secundário, por motivo de preenchimento do ego, do individualismo e da vontade da estrutura material e tudo com a desculpa do progresso, ou da modernidade. O ser humano, apesar de tudo, não fica privado ou impedido de seguir, de intuir, de buscar de evoluir em favor da manutenção da Ordem Superior, visto que, em última instância, é criatura e não criador e se o Criador é Ordem, por conseguinte é Justo e não há que se cogitar de atos injustos por parte do Criador. Tanto é Justo que dotou o ser humano com algo que o individualiza nos reinos naturais: a razão, ou melhor o livre arbítrio. Faz-se que o que se pretende, mas há sempre um resultado que pode ser aceito ou não aceito, bom ou mau, pesado ou levado, mas será sempre um resultado que sobreveio da liberdade de ação quanto à causa.

Se se pensar na alma humana como o belo lago, ordenado de modo Superior, e o livre arbítrio, como elemento, ou ação humana que pode alterar a ordem do lago, resultados poderão ser avaliados. Pense-se inicialmente na presença do ser humano no lago e a possibilidade de ação sobre o espelho natural. Poderia ele permanecer sentado a refletir sobre a grandiosidade do fenômeno, mas poderia também pensar em alterar o cenário, para sua satisfação. Alterar-se-ia o cenário de muitas maneiras: cortes de árvores, desvio de águas, utilização da água para fins impróprios, represamento nocivo ao curso e à vida de peixes e outras espécies, despejo de detritos, enfim muito poderia ser feito em desfavor ao cenário natural. Por certo, nessas circunstâncias, as imagens do lago não mais seriam refletidas com nitidez e pureza na revelação duplicada.

Para que a normalidade pudesse imperar, necessária seria a ida do ser humano, para bem longe e, talvez, percebendo o prejuízo que trouxe com seu procedimento, depois de verificar a necessidade de evoluir quanto ao seu conhecimento do lago, pudesse ele retornar para repor todo o desarranjo que provocara.

É evidente que toda a narração feita até este momento teve por escopo formar um ponto de referência, para ser utilizado na busca de entendimento a respeito do ser humano, sob a ótica de sua vida e do que poderá suceder após o findar da existência material, pelo evento que se denomina morte física.

Se o ser humano não existisse, a vida restringir-se-ia no exemplo do lago situado no lugar descrito, ladeado pelo reino mineral, vegetal e animal não humano. Não aconteceria absolutamente nada além da realidade. O reflexo do espelho aquático de nada serviria e se encerraria na classe de mero fenômeno natural, sem qualquer conseqüência inteligente, apesar de toda a beleza retratada.

A existência do ser humano, contudo, circunscreve-se na individualidade racional, no livre arbítrio, na inteligência e na possibilidade de agir como bem entender, durante sua trajetória conhecida por vida na terra. Mas o ser humano também tem, dentro de si, um lago, um espelho e a possibilidade de reflexos. Esse espelho, para efeito de entendimento, passa a ser denominado alma e refletirá enquanto não se alterar a Ordem Inteligente.

Mas o homem, por ser dotado de livre arbítrio, pode alterar essa Ordem; por conseguinte, poderá alterar a qualidade das imagens refletidas na alma. Poderá fazê-lo para melhor ou para pior e assim pode agir porque prevalece a Justiça da plena liberdade.

Não importa a condição de vida dos semelhantes: um rico, outro pobre, um inteligente com sucesso, outro inteligente sem sucesso, alguém dobrado pelo vício, outros pela vida desregradas e assim por diante. Nada é injusto e nenhum pecado existe; tampouco Deus está a punir este ou aquele e muito menos haverá ele de cumprir pena no inferno. O que existe é o lago interior, a alma, em razão da qual, com ampla liberdade qualquer pessoa pode interferir para aprimoramento ou para desarranjo da ordem natural do lago.

Se houver preservação da ordem natural do lago, isto é, da alma, por certo não haverá evolução alguma; haverá estagnação, entretanto estagnação não se amolda no conceito de evolução. Tudo evolui universal e eternamente, sob a regência de Ordem permanente, eterna, imutável e imortal. Uma vez que a alma não é a Ordem Divina, mas elemento integrante, estará sujeita à evolução.

O segredo que tantos buscam, perdidos e sem rumo, porque não enxergam a ponta do nariz, embora seja o marco proeminente do rosto, está na prática de evolução da alma, de acordo com a Ordem Divina, a qual foi revelada de forma simples, singela e clara por Cristo, sem se afastarem tantos outros que, no mesmo caminho do Salvador pautaram sua conduta.

Se o cenário de nossa alma, comparado ao lago refletor da natureza, não for contaminado por ações impróprias à sua beleza, por certo haverá evolução e o belo será cada vez mais belo até que, chegada a hora de partir, não será deixada para trás a lesão provocada pelo livre arbítrio. Há que se considerar, nessa circunstância, a desnecessidade de se voltar ao ponto do qual se partiu, para se refazem os atos nocivos, porque não se maculou o lago, ao contrário foi preservada a beleza agora enriquecida na sua força vital.

De outra forma, se livremente danificaram-se as qualidades naturais do lago, no caso a alma, e sua natureza justa e bela foi afetada, com alterações ou deformações, por ação voluntária do ser humano, por certo somente ele poderá retornar, tempos depois, para consertar o estrago que provocou. Assim é porque, na relação causa e efeito, somente quem agiu estará prevento para reagir. Assim é com a alma; assim é com a evolução espiritual; assim é com as ações nocivas à vida Cristã e por todas essas razões a volta se faz necessária. Dê-se lhe o nome que quiser, mas esse retorno já é conhecido com o nome de reencarnação.

aclibes
Enviado por aclibes em 09/07/2010
Código do texto: T2367362
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