Pérola

PÉROLA

(do livro “... aos 40!” – editado em 2007 - de Maria da Graça Zanini, Sílvia Bier, Sônia Bier e Rosalva Rocha)

- Você está me chamando de camaleoa?

Essa era a pergunta que Pérola sempre fazia quando alguém elogiava sua beleza. Era uma forma de agradecer e deixar bem claro que, às vezes, as aparências enganam.

Estava com 46 anos muito bem vividos, sabia exatamente o que lhe sobrava ou carecia e, sobretudo, que o tempo não volta atrás ... Sabia que seus pés e seios eram quase perfeitos e orgulhava-se disto. Por outro lado, tinha consciência de que seu corpo já não era mais o mesmo, que os regimes passaram a ser forçados e, os quilinhos, muito difíceis de serem perdidos. A cabeça estava em ordem, a vaidade também ... Mas e a saúde e a beleza? De saúde estava “muito bem obrigada” e, de beleza, com o passar do tempo e à sabedoria que os mais velhos adquirem, utilizava uma forma multifacetada, adaptável à idade, ao estilo, como se trocasse a pele como uma camaleoa.

Naquela noite, estava na casa de praia de sua cunhada da mesma idade, também muito vaidosa, que lhe apresentou uma “cinta-potente” que cobria desde a metade da coxa até os seios. Colocou-a e, por cima, cobriu-se com um vestido preto e branco com alças bordadas de pedrarias pretas. Colocou as mãos pelo corpo e não sentiu gordura alguma. Pegou uma sandália salto 10, calçou-a e desceu as escadas como se fosse à uma festa.

Linda ... Desfilou ...

Olhou-se no espelho novamente ... Veio à sua lembrança, naquele momento, a mãe de uma amiga de infância que sempre falava: “Pérola, o importante na mulher é o rosto, o brilho, o olhar.” Na época, ela não deu importância, não era preciso! Mas agora aquele conselho “caiu como uma luva”. Brilho! Sim, muita irradiação de brilho contornado por algumas adaptações ... Algum mal nisto? Nenhum para uma mulher que já tinha consciência do que queria e não tinha a menor intenção de se abater com a idade. Queria ficar igual à sua tia mais velha que, aos 80 anos, ainda era considerada uma mulher bonita e vaidosa.

O seu mundo estava tão limpo, a vida difícil admitia, mas tão curtida ... Por que perder a vaidade? Ela fazia parte de Pérola de uma forma transparente. Ela sempre foi simples, mas, por outro lado, nunca, mas nunca desleixada. Amava sentir-se bonita, tanto que vivia enfeitando as amigas nos tempos de criança. O lado “camaleoa” envolvia meias-calça pretas para as ocasiões mais formais, camisas de tecido leve abrandadas por um cinto abaixo da cintura, vestidinhos “evasé” sem muito contorno do corpo, lápis de olho, sombra marrom e batons variados ... Sempre com brilho.

Quando o verão chegava, corria com prazer para tirar dos armários as suas inúmeras cangas de praia. Ficava linda sim! Com uma delas, Pérola mais parecia uma lady dos tempos de outrora. Essa canga tinha pelo menos uns 15 anos e era uma de suas adaptações favoritas. À parte da frente era torcida e as pontas envolviam o seu pescoço, deixando os ombros à mostra.

Na mesma noite, chegando em casa, deparou-se com a namorada de seu sobrinho. Um monumento. Cabelos lisos, pele tratada, corpo perfeito, pernas longas e uma doçura sem precedentes. Estava linda ... Mas percebeu-a triste ... Pérola sabia que ela estava com várias dúvidas em relação à sua vida e que a solução era indispensável naquele momento, pois dela dependia o seu futuro. Tinha dificuldade para tomar decisões. Vivia grudada em seu sobrinho, como se fossem “siameses”.

Não sentiu inveja, nada. Percebeu que tudo tem a sua hora e que a hora das duas era aquela. Para Pérola, um tempo de energia, de busca e, ao mesmo tempo, de doação. Um tempo de acreditar que, apesar das suas tão conhecidas adaptações, continuava uma mulher atraente. Nada mais do que isso.

Dormiu feliz.

Rosalva
Enviado por Rosalva em 08/07/2010
Código do texto: T2366253