CASA DO CAPETÃO

Itamaury Teles

No início da década de 70, Montes Claros era ainda uma cidade bucólica, alegre, hospitaleira e cheia de outros predicados, mas dava os primeiros passos para sua transformação econômica.

Embora já rondando os 100 mil habitantes, mantinha suas antigas tradições. Ir a missa aos domingos e dias santos era obrigação de quase todos, naquela época em que as igrejas evangélicas reuniam número pouco significativo de fiéis. Tudo era marcado para antes ou depois da missa. Nunca durante.

A Tradicional Família Mineira – TFM – movimento que havia interferido até mesmo na Revolução de 1964, com a Marcha do Terço, em Belo Horizonte, condenando Leonel Brizola publicamente como anticristo, lançava seus tentáculos por todo o território mineiro, inclusive na então provinciana Montes Claros, com sua ideologia moral excessivamente rígida.

Pois foi nessa época que surgiu – sob os eflúvios da pílula anticoncepcional e do movimento de libertação feminina – o primeiro motel na cidade. Edificado por um italiano, o Motel Sand’s, localizado na BR-135, próximo à entrada para Juramento, passou a ser o alvo das críticas ferrenhas das matriarcas montes-clarenses.

As mães de família não engoliam aquela hospedaria modernosa, que permitia encontros amorosos entre paredes e tetos espelhados, num estímulo à lascívia dos bípedes implumes roedores de pequi. E tudo sob o pálio da legalidade. Para elas o mundo estava acabando...

As coisas ficaram tão sérias que o assunto passou a fazer parte dos sermões nos templos de variadas crenças. Os religiosos se referiam ao motel recém construído como a “Casa do Capetão”, prometendo excomungar os fiéis que debandassem para aquela profana direção.

O jornalista Carlos Lindemberg Spínola, então repórter da Revista Veja, relatou o movimento das donas-de-casa montes-clarenses contra a “Casa do Capetão” em reportagem que repercutiu em nível nacional. Muitas ficaram de tocaia, em moitas frontais ao nefando estabelecimento, para flagrar o marido em suas escapadelas de luxúria. Alguns casamentos ficaram abalados de forma irremediável, pois o divórcio ainda não era permitido no Brasil.

Nessa época, chega de Varzelândia um rapaz muito tímido, estudioso e supostamente virgem, que nunca ouvira falar de motel. Começa a namorar uma colega “prafrentex” – era assim que se rotulavam as moças que topavam tudo nas manhas da alcova – e, logo na primeira semana, ela o convidou para irem ao Motel Sand’s.

Ele topou, sem mesmo saber do que se tratava. Foram na caminhonete C-14 do pai dele. Lá chegando, ela foi logo se aboletando confortavelmente na cama redonda. Ele, ali sem saber o que fazer naquele quarto espelhado, tirou o pente do bolso traseiro e passou a pentear o topete, olhando de soslaio, pelo reflexo, para as pernas da namorada, deitada na cama.

Atenta a tudo, ela percebeu e o chamou para sentar-se perto dela. Ele foi, sentou-se e, sem saber o que fazer ou dizer, começou o papo, todo cheio de dedos:

- E a família, como vai? O senhor seu pai e a senhora sua mãe vão bem de saúde?

- Tudo jóia, cara.

- E como vai no Colégio?

- Legal às pampas...

- E as notas? – dizia batendo a mão espalmada na perna desnuda da namorada.

- Maisomenos...

- Por quê? Perdeu alguma média? Em Matemática ou Português?

A namorada nada respondeu. Resolveu ir embora, de uma hora pra outra. Ele ficou sem saber o porquê daquela repentina decisão. Apenas achou muito estranho aquele ambiente espelhado e a luz roxa, que tremeluzia no teto, mais parecendo o traseiro de um vaga-lume...

Itamaury Teles
Enviado por Itamaury Teles em 08/07/2010
Código do texto: T2366055
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