Traição: Nódoa Incandescente.
Fico a pensar/buscar/procurar de forma intíma e intensa ser
capaz de entender o que leva um amor á traição,uma conquista á perda,uma doação a um furto de sentimentos.
O que leva um dos pedaços do quebra-cabeças, ora unido a
esfarelar-se, deixando no lugar da paisagem a amarga nódoa a que se
condena um sentimento sincero.
Como explicar, o inexplicável?
Explicar o que? Por que?
Dizer que já não é suficiente amar com paixão e delicadeza feroz seu afeto ?
Dizer que falhou em uma busca frenética e sutil por acertar e ser
dentro da possibilidade de um universo sonhador por ser real,ou real por tanto sonhar, o par mais próximo possível do perfeito ?
Pedir perdão por não ter o que ter perdoado ?
Se desculpar da saudade que se manifesta na ausência diária,ainda que breve ?
Ter receio de errar ao tentar entender uma dor que nasce á cada madrugada festejada alegremente na ausência do outro ser que inocente, aguarda o novo dia para se reintegrar, sem sequer saber que fora desintegrado/esquecido/omitido ? E o pior sem saber...
...sem ter porque.
Como entender o se doar e não receber valor nesta doação de corpo,alma,sentimentos e sonhos?
Como se recompor de uma descomposição/decomposta tão cruel quanto a deixada pelo outro no momento em que egoísta e insensível busca o gozo em meio a coxas alheias e se esquece sem culpas do compromisso com o sentimento que lhe é oferecido em meio a pétalas de rosas, lençóis de seda e borbulhas de espumante ?
Não. Não há como esquecer uma dor que vem a nos visitar a alma
á partir de uma opção alheia e nos é imposta de forma covarde,
silente e escusa.Obscuramente.
Como olhar as pessoas ao redor e não sentir vergonha por si e até pelo outro que se julga herói de uma trama torpe ?
Como compartilhar o leito com o mesmo afeto se no eito da vida, já não houve escrúpulos/eira/beira ?
Quando se traí se perde em si mesmo, se macula o sentimento e o caráter, deixando ao outro os escombros da implosão na dor e na solidão incompreendida.
Não consigo entender a total ausência de consideração e de afeto, que se transforma em busca por instinto de uma caçada vulgar e desnecessária, em que a presa nada mais é do quem mais próximo está estabelecido e querendo fazer cada vez melhor seu papel.
Não tenho como aceitar a traição que além de tudo nega a existência do outro, camuflando em farrapos de desculpas a permanência junto ao ser que aguarda,espera/desespera.
O que aprendi ao longo da vida é que a traição é uma nódoa incandescente que mancha e fere irreversívelmente a alma.
Mas sei que na maior parte das vezes, quem mais perde o orgulho é
o traido e o verdadeiro sentido da vida que só o amor sabe traduzir em sinceridade e luz é o algoz traidor que perde, por vezes pelo resto da vida.
E muitas vezes quando o remorso chega o tempo já urgiu/fugiu,foi se esgueirando de forma sorrateira e quando se vê, se perdeu entre os
dedos o que acreditou ser eterno de tão submisso,um amor verdadeiro.
Márcia Barcelos.
Outubro de 1994.