TRAPALHADAS COM GERINGONÇAS . . .
Provavelmente situações semelhantes às que vou contar devem ter acontecido a muita gente.
Convém situar a Família no tempo e no espaço para bem enquadrar as tais situações: de 1945 a 1975 em Angola.
Algumas delas, situações, serão um complemento ao que escrevi nas Crónicas "Pedaços da minha Vida" e publicadas aqui neste site.
Éramos "bichos do mato" porque o Papá Lacerda como Funcionário Administrativo estava sujeito a transferências frequentes e, nos primeiros anos, sempre por Concelhos do interior.
Em Cacolo (Pedaços da minha Infância 1 e 2) tivemos ao longo dos 4 anos que lá vivemos, algumas mordomias e objectos que nos encantavam. Quando lá chegámos em 51, apenas tínhamos candeeiros a petróleo e depois uns outros de marca Petromax (e toda a gente se referia a eles por este nome) com uma "camisa" em seda que se insuflava carregando num êmbolo para dentro do local onde estava o petróleo, tal e qual como nos fogareiros a petróleo (Hipólito). A luz do Petromax era clara e forte e nós estávamos encantados pois a luz fraca e amarelenta só era utilizada na Casa de Banho. Mais tarde o Papá Lacerda resolveu comprar um motorzinho pouco maior que um de uma motorizada com umas correias que ligavam rodas que giravam e... Luz eléctrica em casa! Uma lâmpada por divisão e também do lado de fora da porta de entrada! Foi outro passo para mais encantamento... Havia um rádio enorme a válvulas ligado a baterias da carrinha, com um visor numerado onde o Papá Lacerda marcava a tinta da caneta, religiosamente, as estações conforme as ia identificando: Emissora Nacional, Rádio Club de Angola, Emissora Católica de Angola (Rádio Eclésia), BBC, e um não sei quantas mais que eu, simpaticamente limpava com o dedo molhado em cuspo...
Mas apesar destas maravilhas todas não deixávamos de ser uns bichos do mato e sempre que íamos a Malange pasmávamos em frente dos balcões de vidro das pastelarias não para cobiçar os bolos mas sim para admirar aquela magnífica luz que os iluminava e que vinha de tubos!
Foi em Malange, na Exposição Feira (Pedaços da minha Infância 4) que tive a minha primeira decepção referente às máquinas existentes no Mundo.
A Exposição já estava inaugurada, o grupo de colunáveis seguiu a sua vida não sei se para o Palácio do Governo se para o Hotel e nós, Papá Lacerda de Farda de Gala (branca) ainda vestida, pintalgado de mercúrio, boca inchada e um braço ao peito e a Mamã Raquel com o último bebé ao colo e nós, os outros, em bando atrás deles, resolvem ir ver os outros pavilhões. Tinha havido música ao vivo proporcionada pelo TRIO ODEMIRA e pelo DUO OURO NEGRO (acabadinho de nascer...) mas na altura eram discos em altos berros pelos altifalantes espalhados por todo o recinto. E nós feitos tontos a olhar para os postes onde eles estavam a tentar descobrir como era aquilo e sem ligar a nada por onde passávamos! Era uma maravilha! A dado momento cai no prato do gira-discos (soube mais tarde que era assim) um disco cuja música era: "Já passei a roupa a ferro...etc...Todos me querem e eu quero alguém, quero o meu amor, não quero mais ninguém... Não quero mais ninguém... Não quero mais ninguém... Não quero mais ninguém... Não quero mais ninguém..."
Gente a correr para a Cabine de Som mas estava fechada à chave! O Técnico de Som, fiado no gira-discos daqueles que se carregavam 10 ou sei lá quantos, escapulira-se para parte incerta! O disco estava rachado e ficara preso àquela estria... Tudo isto percebi muito mais tarde. O recinto da Exposição ficou vazio de gente num instante!
A vez seguinte que fui traída pela Técnica, foi em 61 quando tivemos de fugir por ter começado o que na época chamaram de Terrorismo. Fomos para a aldeia do Papá Lacerda, a 5 km de Penedono.
Nunca tínhamos visto televisão. Os meus tios levaram-nos à Taberna de Penedono que tinha uma TV e estava a transmitir uma História Infantil em que entrava uma Princesa (talvez sim, talvez não porque não havia som nem legendas), um Sapo e um poço. A jovem chega-se ao sapo que recua e fica cai-não-cai no poço... A imagem cristaliza e... Os meus tios acabaram por agarrar em nós e voltámos à aldeia com este cheirinho de TV...
Mais tarde e já em Luanda, talvez por 68 ou 69, o Papá Lacerda levou-nos ao Observatório da Mulemba, um projecto de Bettencourt Faria, que depois da Independência de Angola optou por ficar e foi assassinado à porta do seu Observatório.
Mas nesse dia disse-nos o Sr Bettencourt Faria que tinha recebido uma antena parabólica e que estava a conseguir sintonizar um sinal de TV das Canárias, se queríamos ver! Claro que queríamos! Já tínhamos visto Júpiter e os seus 4 maiores satélites (Io, Calisto, Ganímedes e Europa) e tinha sido uma estopada porque estava a ser difícil calibrar o telescópio que fugia e balouçava... Tem lá graça ver umas pintas brilhantes no céu quando nos acenam com TV? E lá fomos todos em tropel para a sala da TV. É ligado o televisor, riscos, ondulações várias para baixo e para cima e o Sr Bettencourt desesperado a tentar sintonizar!
Et... Voilá! Uma imagem de um balet com meninas numa roda com as saias em folhos, cabelos presos no alto da cabeça, em pontas nas sapatilhas! 2 segundos de balet após os quais a imagem se subdivide e ficamos com as cabeças na parte de baixo e os pés na de cima do televisor e sem som nem movimento...
Anos passados, já em tempos de Democracia e a meses da Independência de Angola... Angola um caos, Luanda a ferro e fogo. A ponte aérea a funcionar desesperadamente e também uns navios de carga que se ofereceram para carregar uns quantos contentores e pessoas e que estavam fundeados ao largo do Porto de Luanda, por cautela (havia uma tendência desumana de bombardear com mísseis tudo o que voava ou flutuava). As autoridades desses navios tinham de tratar de tudo através do Papá Lacerda que fora ele a começar a organizar a Ponte Aérea, não que navios fossem da Ponte Aérea mas eram também para retirar gente refugiada da cidade e funcionavam em sintonia. Com isso fez-se conhecimento com um dos oficiais de um navio Dinamarquês que nos convidou a todos a ir a bordo levados por uma barcaça de carga. Aliciou-nos o nosso amigo Hans com filmes que nos passaria num leitor de cassetes de vídeo. Era o mais perto possível a TV.
E lá fomos todos entusiasmados. O Hans disse que tinha vídeos a cores! Sala de refeições do navio, todos sentados e à espera: o Hans liga a aparelhagem, escolhe a cassete e coloca-a no leitor que a engole prontamente. Na TV aparece um genérico a preto e branco em dinamarquês... O Hans levanta-se e vai lá dizendo que era a cores e começa a dar umas pancadinhas a ver se a cor vinha. Aparecem as 1ªs imagens: um pinto a chorar ao lado de uma galinha congelada (a preto e branco) e uma legenda em inglês toda tremida da qual só se percebia %$#& up Mumy... e imediatamente a fita enrolou e não se conseguiu fazer mais nada com o leitor de vídeos... O Hans explicou que era um anúncio às galinhas congeladas... Que emocionante!
Beijinhos,