CONVENCERAM - ME!
Quando comecei a estudar no colégio de freiras de regime quase militar tive uma adaptação não muito difícil porque vinha de uma família austera onde a obediência patriarcal era lei. Tínhamos hora de almoçar, jantar, dormir, estudar e ninguém ousava desobedecer.
As alunas do colégio de freiras se renovavam dada as exigências que eram muitas. Permaneciam somente aquelas que os pais zelavam por uma educação integral. Lá se aprendia mais de uma língua, além da música, trabalhos manuais e a orar.
Quando cheguei a adolescência o colégio das freiras já tinha quebrado certos tabus. As exigências já não eram tantas. Mesmo assim ainda existia. Recordo-me de um grupo de colegas de turma muito divertido. Infligiam às regras, mas nem sempre levavam castigo porque faziam suas travessuras as escondidas. Eram coisas puras como usar fita de cores variadas no cabelo, usar esmalte colorido, jogar pedras nas frutas do pátio e encontrar com amiguinhos na praça ainda com a farda do colégio. De qualquer forma se fossem pegas em algumas destas situações era motivo de suspensão.
Eu me entrosei com um grupo de umas seis pessoas desta turma. Estudávamos juntas para as provas e lamentavelmente nem sempre participava dos passeios porque não tinha a autorização de meus pais. Era considerava a “certinha” da turma. Não ousava desobedecer.
Na esquina da praça do colégio tinha uma sorveteria que era ponto de encontro principalmente dos jovens. E essa turminha peralta descobriu que na hora do recreio, intervalo de 20 minutos, era possível chegar até lá, às escondidas. Sem que jamais as freiras percebessem. Elas fugiam pela capela que ficava anexa ao colégio. Abriam aquele gigante ferrolho e deixava a porta encostada. Escalavam a grade de ferro que separava o colégio da rua. Ultrapassado este obstáculo estava ali em frente a praça da sorveteria. O retorno tinha o mesmo itinerário.
A “certinha” foi convidada para esta aventura. Relutei aceitar o convite. Mas dada a convicção das colegas que o plano nunca tinha falhado fiquei balançada. Elas vinham praticando este intento há meses, portanto, nada de medo, esse sentimento não procedia. Com o coração batendo fui para a aventura. Convenceram-me!
Passamos na igreja, abrimos o longo ferrolho, encostamos a porta discretamente, escalamos a grade, chegamos a praça da sorveteria. A escolha do sabor do sorvete tinha que ser rápido e vínhamos as seis colegas, inseparáveis, degustando os sabores de frutas da terra enquanto observarmos o movimento da praça tão freqüentada e bela com sombras de pés de oiti , casais namorando em seus bancos e crianças andando de velocípede e de bicicleta pra lá e pra cá.
A escalada da grade e por fim a entrada da igreja. Empurramos a porta, ela não abriu. Empurramos outra vez e nada. Empurramos todas juntas, unindo forças, e nada. Impossível vencer aquele ferrolho tão gigante e resistente. Alguém trancou a porta. Dentro de oito minutos a aula deveria recomeçar. Que situação! O tempo urgia e a solução tinha que ser rápida. Do lado da igreja uma gruta de mais ou menos três metros. Não existia outra opção o jeito era escalar. Assim o fizemos de sapato balé, meia ao joelho e com uma saia que não ajudava. Atrás da gruta nos deparamos com um lindo cão amarrado com uma frágil corda que não partiu apesar de seus movimentos bruscos e latidos não receptivos. Ele ladrava chamativamente, porém, para felicidade nossa ninguém apareceu enquanto fazíamos a travessia. Ultrapassamos este obstáculo agora era vencer a areia solta do quintal que dificultava a nossa chegada ao pátio do colégio. Fomos as últimas a adentrar na sala, soadas, descabeladas, mas chegamos em tempo.
Depois da aula nos reuníamos e antes que eu reclamasse da aventura a mais extrovertida da turma se adiantou. Olhe, está peripécia jamais você irá esquecer. Vale a pena deixar de ser “certinha” um diazinho. Tenho certeza que um dia você irá se divertir recordando este momento de aventura. Pode ter certeza. Apesar de ainda assustada rir muito com elas. Cada qual querendo justificar que tudo valeu a pena. Convenceram - me!
Por onde anda esta turma...