Férias na casa da minha Avó

Férias na casa da Avó.

Quando criança, uma expressão, uma ação sempre me deixava curioso e por muito tempo convivi com esta. Era a hora de lavar os pés, sim lavar os pés, era um termo largamente usado pelas pessoas, lá naquela roça de nome Furtado, onde minha avó morava, ali num cantinho de Itabira, estrada de Santa Maria de Itabira, para onde eu sempre viajava nas férias escolares, isto lá pela década de 60 e 70.

Era meu paraíso está perto daquela avó, saboreando suas deliciosas iguarias feitas com as coisas daquela roça, assim tudo natural. De armadilhas em armadilhas saboreava os mais variados tipos de pássaros e animais e bastantes peixes. Nada se sabia de defesa de animais, os caçadores faziam a feira na floresta farta, com carnes de pacas, tatus, coelhos, Jacu, veados e outros que me fogem a memória. O certo é que nós ficávamos ansiosos pela volta deles com suas caças, dependuradas.

Lá naquele canto feliz, não tinha luz, um rádio de pilha ABC canarinho voz de Ouro, fazia a função de relógio e de sons, às vezes inaudíveis, apesar de um arame amarrado pelas arvores e interligado na sua antena. Já a água nascia num pé da serra descendo por tubos de bambus até a porta da cozinha ininterruptamente, onde tinha uma bica a desaguar numa grande gamela feita de madeira das boas, como dizia minha avó. Água boa, fria que passeava por entre arvores, quase sem contato com raios solares. Era uma das tarefas fazer a limpeza do percurso da água, devido folhas que se acumulavam. Junto da bica sempre uma lata, buchas de palha de milho, cinza, areia que eram usadas para lavar aquelas pretas panelas de ferro, ou de pedra sabão.

Todas as tardezinhas, ela tinha o cuidado de que todos lavassem os pés, que sem sapatos sempre se apresentavam imundos no final do dia. Uma bacia grande era ali colocada, e com água aquecida, fazia uma mistura para que lavássemos os pés, para se preparar para dormir, pois ali se dormia quase que com o horário das galinhas e dos pássaros, coisa de lugar sem luz e sem vizinhança por perto. Bastava o sol sumir ela já estava com o jantar esquentando. Ali breu era total e assustador, exceto em noites de lua, em que dava para ver o terreiro de café que ficava ao lado da casa, num caminho que dava saída para a localidade chamada Sapucaia e também saída para o córrego onde a gente se banhava e pescava Lambaris, bagres, Mandis, traíras.

Mas o que chamava a atenção, era o fato que nós os meninos sempre lavávamos os pés ali perto da bica, calçávamos os chinelos já se preparando para o jantar tendo como luz as lamparinas a querosene, que tinham um cheiro terrível, alem daquela fumaça que nos penetrava as narinas. Quando era a vez das mulheres lavarem os pés, todo ritual se modificava, pois a bacia era levada para dentro da casa e colocada num quarto, então as meninas e ou mulheres carregavam as latas de água fervida e de fria e fechavam a porta com tramela, para lavarem os seus pés. Aquilo me deixava invocado e nunca obtinha uma explicativa para minhas indagações de menino buliçoso. A curiosidade era tamanha. Só bem mais tarde já crescido fui entender este mistério das mulheres, e sempre que lembrava este fato, era acometido de risos. Coisas de infância, do tempo que crianças não eram tão informadas como os dias atuais, onde elas acabam sabendo até mais coisas do que a gente.

Mas a casa dos meus sonhos ficou no tempo, perdida entre pés de café, mexericas, coqueiros, mamonas e os pés de mandioca que lhe orlam por todos os lados. Já não se vê o terreiro de café, nem mesmo aquela bica existe mais com o tempo apodreceu, virou fogo em cinza se transformou, canos de PVC substituíram minhas varas de bambus, aquela famosa gamela de madeira boa como dizia minha vó, virou uma lavanderia de dupla bacia toda de cimento moldado e água já não jorra ininterruptamente, tem uma torneira. Os pássaros, os animais foram sumindo com seus cantos, fugindo do barulho, da presença humana. A minha memória registrou e não se apagou das coisas que vão se perdendo, saudoso aqui vou lhes dando vida e assim vivo minha não perdida feliz infância.

Hoje globalizada naquela roça as moças já não precisam mais lavar seus pés em bacias, trancadas em um quarto qualquer da casa. Fartam-se numa ducha, pode se olhar no espelho antiembaçante dotado de radio FM ouvindo uma canção, que fala das coisas do coração.

Mas meus pés hoje cansados, calejados pelos sapatos, botinas, chuteiras, mais se parecem frágeis papeis, ainda insistem na saudade daquela água quentinha jogada pelas canelas, nas tardes na casa da Avó Iracema, o que tempo não pode me roubar.

Ah, como eu queria...

Toninhobira

06/07/2010.

Toninhobira
Enviado por Toninhobira em 06/07/2010
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