Poesia e burocracia
“Se o estado é sólido, ele bate, quebra, machuca; se for vaporoso, omisso, ele escoa; se for líquido, ausente, escoa; trabalhamos na construção do estado poroso que permita frestas para absorver a grandeza da sociedade.”
TT Catalão
Secretário de Cultura e Cidadania
Esse despacho foi em resposta às reclamações de Pontos de Cultura pelo Brasil afora, devido ao atraso do repasse de recursos para projetos culturais em parceria com entidades da sociedade civil. O Secretário não disse nada de concreto, não garantiu nenhuma providência prática para resolver o problema, no entanto, que resolução inspirada!
É no que dá botar poetas nos cargos burocráticos. Os caras não conseguem desemperrar a máquina do sistema administrativo, mas acabam por fazer aflorar aquilo que há de elevado ou comovente nas pessoas e nas coisas. O líder cultural dos afro-descendentes brasileiro, o fenomenal Gilberto Gil passou pela pasta da Cultura e disse a que veio, aliás, cantou e proseou com aquele charme do cara cerebral que diz e diz bonito. Deixou sua marca e distintivo de originalidade e simplicidade. Não fez nem cócegas no monstro da burocracia, mas dialogou com a sociedade e construiu uma rede que hoje se mexe, tem vida, assume o compromisso de construir uma gestão compartilhada, “dentro de um projeto de nação, onde o Estado também se aprimore,” conforme TT Catalão.
Na Paraíba, nosso Chico Cezar não se sabe se já sentou na sua cadeira de diretor da Fundação de Cultura de João Pessoa. Pelo chiado dos compadres artistas e produtores culturais, parece que não. Por exercer cargo público, deixou de se apresentar na terrinha, a produção caiu, o estado afetivo, tudo indica que foi prejudicado. Não é mais o cara acessível, simples e sem frescura. Tem hora pra receber, tem ordens para cumprir, leis a obedecer, cronogramas a respeitar, agendas a atender, despachos a deferir. É, ao mesmo tempo, sólido, vaporoso e líquido o Estado a que serve nosso Chico.
Conversando com ilustre poeta de nossa terra sobre esse lance, perguntei se ele aceitaria um cargo público, mesmo na área cultural. “Meu envolvimento é com a política do cotidiano, em toda sua extensão e complexidade. Mas acho possível haver uma atividade intelectual e artística plenamente inserida na realidade social, cultural e política. Mesmo porque confesso que sem o Estado não posso divulgar minha produção, preciso dos mecanismos de apoio ao fazer cultural e isso, infelizmente, passa pela burocracia e engajamento nas lides políticas. Mas acho que o artista no cargo público tem que adoçar o amargor dos tais trâmites com o mel das palavras e a paciência dos ouvidos acostumados a só ouvir o som embriagante da arte”.
www.fabiomozart.blogspot.com