Tantas idas e voltas.
Os homens são feitos de carne, de sangue e de medo. Acordam-se de manhã e enfrentam, desde que abriram os olhos para o mundo, as tempestades sem fim da existência. Tantos chamados, tantas repreenções, tantas idas e voltas.
Os homens estão sempre partindo, mesmo quando chegam e a certidão de nascimento é também de óbito, pois só quem existiu pode deixar de existir.
O mundo lhes dá e lhes toma. Mesmo aquele que, à custa de suor e lágrimas, do seu sofrimento ou do sofrimento alheio, junta, conquista e defende, tem de, ao mesmo tempo, lembrar-se de que tudo o que tem nas mãos é somente uma ilusão. Nada é seu. Ele partirá um dia sem levar mais que sua alma (se nela crer) ou seu pobre corpo (que logo será dejeto), pois nunca se ouviu falar de um ser eterno, exceto Deus ou sua idéia. Independente de sua crença, o homem está condenado à finitude dos seus dias, de sua fortuna, de sua beleza, de seus desejos. Do que tomaram para si, nada permanece. Do que juntaram para os seus nada permanecerá. Rei ou mendingo, tudo deixará para trás (com a vantagem dos mendingos, que nada pensaram possuir que valesse a pena lamentar).
Tudo isso é carne e sangue, essa ilusão barata e fácil, onde tantos estacionam: Eu sou! bradam. Eu tenho! gritam. Eu posso! proclamam.
Entretanto o tempo, o senhor de todas as razões plausíveis ou implausíveis, está devorando incessantemente seus amores, seus quereres, suas posses.
E o medo? Esse sim, um ser eterno, que age como um relógio de ponteiros descomunais dizendo ironicamente:
- Eu posso, eu tenho e eu quero!
Antes de tomar tudo do homem, menos, talvez, sua alma, se nela o segundo fizer crença.