E eu pergunto aos economistas políticos,aos moralistas,se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria,ao trabalho desproporcionado,à desmoralização, à infância,à ignorância crapulosa,à desgraça invencível,à penúria,às intempéries,para produzir um rico?
                                Almeida Garrett,escritor português
 
 
Vi, com satisfação,como caiu no gosto dos leitores,a estória de D.Zizi,que contei ontem;o que os meus caros leitores não sabem é a quantidade de donas zizis que existem neste país,especialmente,no nordeste” onde a desgraça é tanta e o prêmio tão pequeno,”como diz Saramago no “Levantado do Chão,que ando relendo,com prazer e saudade.
Fui criada, até os meus oito anos , numa destas cidades mortas tão bem descritas por Monteiro Lobato no seu livro do mesmo nome.Sertão puro.Sertãozãozão,como diria Mestre Guimarães Rosa,o maior de todos;onde manda quem é forte,com as astúcias;Deus mesmo,quando vier,que venha armado!(Grandes Sertões,Veredas).
Já os fracos, como D.Zizi, que se danem!Comida escassa,roupa cerzida,casa caída.Jabá com farinha seca.Farinha seca sem jabá.Água,raridade,nas cacimbas.
Minha mãe foi professora nessa região durante mais de dez anos; de tudo viu e a muitos acudiu.Crianças que iam à escola,famintas,esquálidas,descalças;léguas a caminhar.
A família do seu Juventino,por exemplo;doze filhos para criar.Os mais velhos de 13 a 15 anos já trabalhavam nas roças alheias ou cuidavam do gado;tudo por uma pequena diária,mas,como diz o sertanejo:o pouco cum Deus é muito e o muito sem Deus é nada.O sertanejo,antes de tudo,um forte.(Euclides da Cunha).
Pois,os dois garotos mais moços de Juventino,sempre estavam com problemas nos pés,minha mãe reparou;uma semana,iam com o pé direito calçado com velhas botinas de elástico e o esquerdo,enfaixado;semana seguinte,o contrário;a doença ou fosse lá o que fosse aquilo,trocava de pé.Condoída,minha mãe,alma santa,foi visitar a família;queria saber se podia arrumar um remédio,levar ao médico,qualquer coisa.A mãe dos garotos,mulher de seus 35 anos que pareciam 80,raros cabelos,pernas inchadas,banguela,explicou,meio envergonhada:
-Num é doença,não,fessora;nois só tem um par de pracatas qui os minino ganharam do padrinho;usando sumana,sim,sumana não,deve de durá inté o fim do ano.
Numa classe de terceiro ano,minha mãe perguntou,numa aula sobre o leite e seus derivados em que os meninos pareciam perdidos:
-O que vocês põem no pão,de manhã,quando vão tomar café?
-Café,mesmo,fessora;nois moía o pão no café.
Porque manteiga era luxo de rico!
Vimos e presenciamos muita coisa; mulheres que morriam de parto por falta de médico;crianças que nasciam mortas ou morriam ao nascer,”o mal de sete dias”,chamado.
Muita fome e sofrimento num dos países mais ricos do mundo.
70 anos se passaram e nada mudou.A não ser,é claro,para os políticos.Mas,nós,somos cúmplices;afinal,somos nós,classe média,formadores de opinião que levamos essa gente ao Paraíso.O nosso ódio,como ainda diz o jagunço Riobaldo,está muito sossegado.
Miriam de Sales Oliveira
Enviado por Miriam de Sales Oliveira em 06/07/2010
Código do texto: T2361186
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