O FAROFA , O BERRÉ E O JURUBEBA
Lêda Torre
Há muito tempo, eu sentia o desejo de escrever uma crônica falando desses personagens verdadeiros de nossa cidade. Numa cidade de mentes tão férteis, como Colinas, era natural que o povão gostasse de colocar nomes esquisitos nas pessoas, sempre atribuindo algum significado a esses apelidos.
O Farofa, era um homem baixinho, que gostava muito de comer farofa; usava sempre um chapéu de massa, não o tirava pra nada.Ele era bonachão, gostava muito de ser servil, fazia favores pra todo mundo, não media esforços, nem murmurava de nada. Morava lá pelas pairagens do bairro Curimatá, numa casinha pobre, de palha de palmeira. Seus móveis eram: uma cadeira, uma mesinha, uma bileira, um pote, umas trempes para colocar suas panelas de ferro, que servia para cozinhar, quando resolvia comprar alguma comida.
Ele era alcoólatra, andava sempre cambaleante, sujo, fedorento, mas sorridente, não negava nenhum préstimo às pessoas, Porém, todo mundo o recompensava apenas com comida, ou alguns trocados, que normalmente ele fazia essa permuta por cachaça, da braba. Era deplorável seu estado como ser humano.
Eu era ainda uma menina, acho que com uns dez anos, mas aquelas imagens eu jamais esqueço, porque hoje sei que ele era humilhado, servia de “gaiofa” para as pessoas, e sempre tinha um sorriso nos lábios, apesar da vida solitária. Não me lembro se tinha mulher ou filhos, só lembro desses flashes da história daquela figura tão pobre, tão humilhada, e que também foi consumido pelo álcool, pela solidão e pela miséria. Por ventura, imagina-se que cada um tenha um destino, não se sabe se por sorte ou por escolha. Eu era ainda tão imatura para compreender....
O Berré era outro personagem da história de nossa pequena cidade no interior do Maranhão. Negro, deficiente, pobre , arrastava-se sobre um pedaço de couro curtido de boi, e umas luvas de couro também, que serviam de apoio as suas mãos. Mas era um exímio sapateiro, fazia e consertava sapatos como ninguém! Era sempre alegre... casado, tinha uma renca de filhos, mais de sete, precisamente.sua mulher, uma negra bonita. Todos perfeitos, estudavam, e ajudavam os seus pais. Era uma família unida e trabalhadora, obedeciam -nos direitinho. Era uma família linda.
Quão grande foi a alegria do nosso figurão, o Berré, quando chegou o progresso na cidade, em relação a cadeira de rodas.Ele logo aderiu ao seu novo meio de transporte e locomoção. Seu rosto sempre estampado por sorrisos, como se nessa vida a cor, que o mundo inteiro insiste em discriminar, ou a sua deficiência e limitações às vezes ignoradas, não o afetasse em nenhuma hipótese.
Berré era feliz, dava conta da família e do seu trabalho. Creio que isso era o que importava, ser feliz e ponto.
O Jurubeba, filho da dona Amélia e do Sr, João Preguiça, era um rapaz também, simples, pobre, calado, morava no bairro em que a maioria de seus moradores ainda hoje são negros de ascendência escrava, moram. O moço, sempre ajudava sua mãe, que era lavadeira de roupas.
Vez em quando, aparecia lá em casa para buscar dinheiro da lavagem das roupas que muitas vezes sua mãe havia lavado e as meninas, minhas vizinhas, sem ver nem pra que colocaram o nome dele de Jurubeba, só não lembro por que. Era costume ficarmos horas a fio, nas janelas lá de casa, observando as pessoas que passavam na rua, no jeito de andar, se eram bonitas, se eram brancas, se eram negras, a gente até fazia algumas caretas, coisas de menino. São essas coisas que nunca vamos esquecer.
Foi lembrado seu nome, por ser engraçado, o nome que as pessoas davam a esses personagens. Daí a homenagem.
___São Luis, 5/07/2010_________________