A Nave de Sénefer
Um amigo muito querido, sociólogo, em conversa mantida comigo há pouco tempo, disse-me gostar muito quando abordo assuntos referentes às aflições da alma humana, referindo-se ele aos nossos questionamentos, aos mergulhos que fazemos nas profundezas de nós mesmos. Tenho plena consciência de que é preciso munir-se de muita coragem para efetuar tão perigoso mergulho e encontrar, dentro de nós mesmos, um Ser a quem pouco ou quase nada conhecemos, vindo daí a necessidade de compreendermos a quem prefere sempre trafegar na superfície de si mesmo, evitando aprofundamentos que trazem muita dor e angústia.
Poucos de nós procuram aferir o quanto de estranheza existe em nosso próprio Universo interno e, mesmo os indômitos que realizam tal prospecção não estão munidos de nenhuma proteção especial para que evitem surpresas pouco agradáveis, sacudidelas tão demolidoras que sempre nos jogam em encruzilhadas conceituais, das quais só saímos - não sem arranhões - após muita reflexão. Este refletir, por mais perigoso que seja, é o que nos dá consciência do existir, do Ser pleno que somos: é o que nos capacita a perceber que temos um corpo, que este corpo é guiado por uma mente e que esta mente projeta no mundo das experienciações aquilo que vem de nossos outros mundos internos, e que esta mente leva para estes mundos o que vivencia no plano da matéria, num cambiar incessante.
Quando me encontro na tal encruzilhada, (aquela dos questionamentos mais profundos) utilizo-me da figura da casca de noz perdida no oceano, e faço, entre muitas outras, as seguintes constatações: se as dores que me conduziram para a encruzilhada são muito fortes, o oceano encontra-se em fúria e eu, casca de noz, sou jogado violentamente de um lado para o outro, sem enseada aonde buscar abrigo, até que compreenda o que me causa dor. Mas, quando o curso para a encruzilhada é bem mais ameno, o oceano que conduz a casa de noz do meu Ser é calmo, tranqüilo, reproduzindo a segurança do primeiro oceano que meu Ser, habitando um corpo ainda em formação, navegou – o útero da mulher que trouxe a este oceano de Luz.
Nós somos, em essência, seres mediadores, o que não é muito difícil de explanar: temos em nós os mesmos componentes do planeta; absorvemos do planeta os alimentos que precisamos e, após retirarmos desses alimentos o essencial para nosso existir na matéria, devolvemos, como mediadores, todo alimento tomado. Devolvemos o que tomamos do planeta enquanto vivemos e somos alimento para o planeta quando a ele entregamos o nosso corpo, para que dele – do nosso corpo – o planeta também se alimente. Em suma: todo ser vivo é um mediador, inclusive o planeta, que doa seu corpo, ao fim de seu existir, para que dele outros corpos se alimentem, em uma progressão sem começo e nem fim.
Vale do Paraíba, tarde da primeira Quinta-Feira, Fevereiro de 2009
João Bosco