Caminhando a Trindade: Dores e emoção

Uma reflexão: Porque o ser humano gosta da dor? Ou em certos momentos se sente bem com ela? Parece que sim e reside aí, uma oportunidade de auto conhecimento, de conversar com seus próprios botões, com seus próprios limites, de “lavar as próprias roupas sujas”. Não sei explicar isso, mas sei que é verdade, pois também a experimento.

Parece que a dor estimula a pessoa a ter algo grande em troca. Não a dor imposta, a dor enfiada goela abaixo. Mas aquela que se busca, que se está ciente de sua existência e mesmo assim a busca livremente, espontaneamente. Ou é o efeito da adrenalina?

Eu explico, exemplificando a as minhas próprias experiências: na noite de sábado que passou, fui para Trindade à pé, na romaria do Divino Espírito Santo. São dezoito km de rodovia, mais uns dois dentro da cidade, até chegar na igreja, objetivo da caminhada.

Para quem conhece e vivencia, dispensa comentários. Para quem não conhece, vou resumir: A festa da Trindade completou esse ano, 170 anos, já é a segunda maior romaria do Brasil, só perdendo para a festa de Nossa Senhora Aparecida, em Aparecida do Norte - SP.

De Goiânia para Trindade, existe uma pista lateral à rodovia (Rodovia dos romeiros), destinada aos caminhantes. É um surpreendente mar de pessoas, difícil de descrever ou imaginar. Só vendo mesmo para se ter a real idéia. Claro que muita gente vai pela farra, pela brincadeira de grupos e que chegando lá, nem se aproxima da igreja, que fica em um elevado, se limitando a ficar na muvuca dos bares e afins. Tudo bem, cada um na sua.

Mas quem vai pela fé, pela oração, faz uma viagem de pequenos grupos de amigos e familiares ou solitário, (esse ano eu fui sozinho), e é uma caminhada de algumas horas de calos nos pés e dores musculares. Ao se chegar na igreja, se percebe que muita gente tem dificuldade de subir as escadarias, tamanha a exaustão muscular. Muitas pessoas sobem-nas ajoelhadas. Percebe-se claramente a dor física, a fadiga, a exaustão. E percebe-se também, a paz absoluta que aquelas pessoas vivenciam, associada à emoção. É um lugar de energia boa, onde se sente desarmado, onde se tem coragem de se misturar à multidão, fazer parte dela. Onde não se precisa esconder as lágrimas, onde o coração é o senhor do momento.

Eu pessoalmente, terminei com dores nos joelhos e nos pés, mas graças às caminhadas habituais, não sofri tanto.

Às 05:00 hs, começa a alvorada, com queima fogos, hinos, e às 06:00 hs a missa campal. É um momento maravilhoso, emocionante, onde a dor se mistura à emoção e fica difícil evitar chorar. Eu nem tento evitar. Nem preciso, embora seja meio desajeitado pra isso, mas e daí? Quem não chora? Me juntei aos meus queridos que foram de veículos, participamos juntos da missa, foi mais um motivo para estar em paz.

É uma emoção imensa, de comunhão com Deus. É saber que a gente pode, que consegue. É a alegria de estar naquela multidão de pessoas e fazer parte dela. É uma paz intensa no coração. É uma oportunidade de dizer “Obrigado por tudo, meu Deus!”. E nessa hora a dor física e a fadiga ficam insignificantes.

Daí a indagação: as pessoas gostam de sofrer? Se sentem bem? Pergunto porque a faço a mais de dez anos e toda vez é a mesma coisa: dores musculares, frio, cansaço, e a mesma determinação: “Ano que vem estarei fazendo a caminhada novamente”.

E nesse pensamento estão as milhares de pessoas que fazem o percurso. Ou muito maiores. Tem família e grupos de amigos que fazem a caminhada por 200, 300, 400 km. Sofrem, se dilaceram os pés, se desnutrem, passam frio, mas se perguntados, todos dirão que valeu a pena sim e que farão tudo novamente no próximo ano e no próximo e no próximo...

Muitas pessoas podem dizer (e com certeza dizem): “Deus não está lá, isso é uma enganação”, outras mais radicais dirão até mesmo que Deus não existe. Que fiquem com suas dúvidas e descrenças, eu fico com a minha própria convicção, decisão e opção.

Sei que é a fé que anima esse povo. A fé é capaz de superar a dor. A faz ficar diminuta, insignificante mesmo. É o ser humano experimentando suas possibilidades. Ainda bem que somos assim. Se fossemos um punhado de andróides, emoções dessa natureza nem existiriam. Isso nos faz ser grandes, ser gente na essência da palavra.

E volta a pergunta: As pessoas gostam de sofrer? Buscam a dor? Eu sei de mim que estou em absoluta paz comigo mesmo, quanto a esse assunto. E ano que vem, com fé em Deus, lá estarei novamente. Com ou sem dores nos joelhos e nos pés, mais uma vez me entregando à emoção ao ver começar a alvorada, às 05:00 horas na manhã.

Faria Costa
Enviado por Faria Costa em 05/07/2010
Reeditado em 07/07/2010
Código do texto: T2359581
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