HABIB
"Dá-me, Senhor, a sabedoria para respeitar a mãe natureza, a humildade e a grandeza para tratar meus semelhantes, o respeito e o reconhecimento para com meus irmãos inferiores e, finalmente, livra-me de todo mal e do Habib, amém!
O que mais se ouve por aqui é que o Habib é “cross”. Gíria fora de meu dicionário, mas creio ser isso mesmo.
Para mim, particularmente, o pestinha é atrevido, encrenqueiro e traiçoeiro. E diria outras “qualidades” ainda: aborrecido, sai frequentemente pra rua e chora insistente para entrar (torra os nervos da gente!); tinhoso, já roeu parte da pintura do metalon do portão, enferrujando-o. O cãozinho é o diabo!
O seu pelo liso e curto --- típico a não reter corpos estranhos nele, tampouco as pragas rogadas --- é de um branco encardido, cobrindo o corpinho alongado que, lépido, dispara sobre os cambitos de um suposto “basset”; as orelhas, permanentemente eretas, dão a ele o único indício de nobreza canina, hipoteticamente geradas por um segundo espermatozóide clandestino saído de um legítimo pastor capa-preta, ali metido pelo viés da improbabilidade. O que certamente seria também o responsável pelo seu audacioso atrevimento.
Os sábios afirmam que a natureza não dá saltos; taí o Habib para desmentir a teoria.
Implicante, granjeou fama azucrinando nossas visitas --- algo sem nenhuma gravidade por ora, não contando o último desconforto pelo qual passou o Dr. Cid. Explico.
O Dr. Cid Abdenur é dessas amizades que a gente tem o vivo prazer de recebê-la. Infelizmente, sua visita é muito rara. Filho de libaneses, com certeza não conhecia ainda o cãozinho. Vindo nos visitar, o danadinho deu em cima dele! Aos gritos de “Pára, Habib!”, “Saí, Habib!”, “Peraí, seu vira-latas!”, o pestinha só quietou-se ressabiado frente ao cabo da vassoura!
Então, serenaram-se os ânimos.
Findo o embaraçoso episódio não imaginava o significado da palavra árabe “Habib”. Presumi-a, no momento, ser nome próprio de pessoas, vindo a suscitar em mim certo constrangimento: árabes, com certeza, não gostam de ver cães sendo chamados por nomes de seus conterrâneos. Tal fato para ele seguramente constituiria desmerecimento, insulto, sei lá, logo caberia uma explicação, um reparo ao nosso visitante.
“Esse filhote de cruz credo aí --- apontei pro bichinho --- era hóspede do canil da morte da Prefeitura de Anápolis. Uma amiga salvou-o trazendo-o para cá. Por suas peculiaridades com certo conhecido humano do nosso meio, deram-lhe o nome do próprio. Desaprovei. “Então arranja um pra ele, pai!” Alguém sugeriu. No curso da conversa deparei ao lado uma embalagem vazia. “Está ali o nome dele, Habib!” Era um saco que continha esfirras do Habib’s. E assim ficou. Justifiquei ao Dr. Cid.
Ao que ele me devolveu sorrindo:
--- Habib é sagrado!... Habib é Alá!
--- ???
--- Sim! Habib é amor; como Alá também é amor!... Esclareceu-me.
--- Uê! Pra nós Habib é esfirra, quibe! Brinquei.
--- De certa forma também é!... O povo árabe em si acredita que os alimentos devem ser preparados com amor. Que deve haver aquela relação mágica de passar energia positiva, aquela doação amorável que as pessoas emanam e precisam compor a alimentação preparada... os alimentos com amor, é isso finalmente o que quero dizer!
Tranqüilizei-me.
Nada mal. Ao menos enquanto estivermos saboreando as esfirras e os quibes do Habib´s esperamos também estarmos incorporando um pouco de amor.
Quem sabe com isso melhoramos um pouco mais.
Maktub!