O FIO DA VONTADE
Já era da vigília, quase meio-dia, quando um fio de tecido da minha camisa chamou a minha atenção. Pensei em ignorá-lo e seguir o meu caminho, mas confesso que aquele fio balançando ao vento, não saia do meu pensamento e nem da minha visão, então, como se ele fosse um desafio, tentei arrancá-lo, mas como a camisa era nova, temi danificá-la; e como não tinha tesoura, usar os dentes estava fora de pauta, ainda mais levando em questão, que em plena Avenida Paulista, a visão de um sujeito se mordendo era assunto para internação, daí, apenas tentei puxar o fio; mas ele era bem comprido, e quanto mais eu o puxava, mais fio saia, e à medida que o fio fui puxando, em minha mente ia surgindo, recordações de sonhos distantes, e fui viajando por lembranças perdidas arquivadas em algum lugar do meu insconsciente, mostrando sentimentos reprimidos, sonhos interrompidos, as coisas que eu não queria fazer e sempre fazia; e outras que eu gostava de fazer, mas não fazia.
Assustado pelo que descobria, larguei o fio; meditei que seria melhor não descobrir mais, pelo menos, não ainda; porém, o curioso em mim, o aventureiro, tomou conta de minha vontade e continuou a puxar o fio por inteiro, e meus olhos voaram por um labirinto, onde o fio me guiava, naquele mar com os mais diferentes trajetos, possibilidades, como se fosse um rio, com os mais diferentes acessos, portas e janelas que poderiam me jogar nos mais maravilhosos prazeres ou nas mais tormentuosas mazelas, senti que corria algum perigo, mas deixei-me guiar pelo fio, confiando que eu não ficaria perdido, porém, acabei dando de cara com um ser estranho, meio-homem meio-touro, que não me deixou seguir adiante, ele parecia estar protegendo um tesouro.
- As informações que estão além dessa porta - disse ele - não cabem em sua memória. Retorne! Ou eu tomo de conta!
Eu, que já tinha ido tão longe, queria ver mais, voltar seria fracassar no meu plano em descobrir o que aquele fio significava para mim; então, avancei em direção ao monstro e aconteceu algo estranho...
Meus pensamentos foram todos embaralhados, sem sequência eu pensava, e não conseguia formular uma decisão, não sabia mais qual era a direção que deveria seguir; e em poucos instantes, mal conseguia compreender quem eu era, ou discernir sobre o que fazia ali.
Comecei a entrar em pânico, sentindo que a pouca consciência que me restava, ia se dispersando, diminuindo, acabando, até que vi o fio balançando e o segurei fortemente, esperando que ele me tirasse dali e me levasse de volta a mim...
Abri os olhos...
A Paulista estava ao meu redor, minha testa suava, meu coração batia descompassado. Achei melhor, sentar em algum lugar, me acalmar e refletir sobre o que tinha acabado de sentir.
O que fora aquilo? O que estava além daquela porta guardada por aquele monstro?
Daí, olhei de novo para o fio, respirei fundo e decidi, mesmo sob o risco de me perder naquele labirinto, novamente mergulhei no rio da minha mente, percorrendo as suas mil voltas, e uma vez mais fiquei diante daquele ser que guardava a porta e ele tornou a me ameaçar, dizendo que dessa vez, eu não teria a mesma sorte, foi quando, ao invés de avançar, como eu tinha feito, saudei aquele ser e reconheci a sua função, respeitando o seu direito de proteger aquela informação até o fim; e para a minha surpresa, ele sorriu e a porta abriu...e o resto só faz sentido para mim.