Meio termo

Sim, meio termo. Sabem o que significa? A metade. Meados.

Bem por ali, antes do final, mas depois do começo. Conseguiram localizar?

Espero que sim.

Qual o significado desse título? Já lhes explico. Mas antes, quero lhes fazer uma pergunta, apenas para situar a minha ideia: Cronologicamente falando, qual a melhor parte de se apaixonar?

Não entenderam? Vou esmiuçar um pouco mais, para que lhes fique perfeitamente claro.

Digamos que a paixão tenha dois momentos: A conquista e a rotina. O primeiro deles é praticamente auto-explicativo. Durante a conquista, as duas pessoas se conhecem, se aproximam, começam a interagir e a interessarem-se mutuamente. Neste periodo é que nasce, de fato, a paixão.

A segunda parcela é ligeiramente mais complicada. A rotina, ou a manutenção da paixão, é o que acontece depois de os amantes já terem deixado bem claro o que sentem e o que pretendem com aquela relação. Nesta parte, a paixão encontra o seu apogeu e o seu declinio, acabando-se em seguida. Todos sabem que a paixão acaba, sendo necessário que até o seu derradeiro momento, tenha se formado um laço resistente entre o casal, que não baseado apenas na paixão. Um laço de amizade, de atração, não importa. Havendo esta ligação entre os dois, quando a paixão findar-se ainda será possível que o relacionamento perdure.

Mas bem, deixando isto claro, torno a perguntar-lhes: Qual é a melhor parte da paixão?

Pois bem. Para mim, o melhor momento da paixão é exatamente o meio termo. Entenderam o porquê do título?

Em seu princípio, uma paixão nos soa ligeiramente incomoda. Você está acostumado a não gostar de ninguém. Ou pelo menos a não gostar o bastante para querer ter um relacionamento com a pessoa. E de repente você começa a perceber que sente uma atração anormal pela dita pessoa. Em quase a totalidade dos casos, essa percepção nos vem abruptamente. Não é algo que você vá percebendo com o passar dos dias. Não, a coisa toda acontece com um baque tremendo, que sacode as suas estruturas e te faz perceber como aquela pessoa é especial e como, dali por diante, você quer estar com ela.

Parece um pouco com coisa de cinema, mas posso lhes garantir que é assim que acontece.

Você conversa com aquela colega da faculdade todas as noites. Vocês se dão bem, seus comentários encaixam muito bem com os dela. Os seus gostos são muitíssimo parecidos e suas atividades parecem pré-combinadas, de tão semelhantes que são. E então, em um dia qualquer você está conversando com alguém e comenta que aquela sua colega gosta de sorvete de flocos. O atual interlocutar começa a rir. Você pergunta a razão para as risadas e ele lhe responde que é porque você está sempre falando desta garota. E você estranha. "Eu estou?" E não é que é verdade? Fazendo uma pequena pesquisa na sua memória recente, você percebe o quanto lembra dela durante o dia. "Estranho, porque eu penso tanto nela?" Então você lembra de algum detalhe dela que lhe chama a atenção. Vem a sua cabeça, de sopetão, sem aviso, a imagem perfeita do sorriso dela. E é aí que você cai na real. "Caramba, eu gosto dela."

Não é preciso nem esperar a confirmação óbvia que virá no dia seguinte, quando você encará-la e sentir o coração palpitar. Você está apaixonado. E como diz a Lei de Murphy, "o problema está tremendamente óbvio para qualquer outro idiota que vier verificá-lo".

Este, para mim, é o melhor momento no percurso de se estar apaixonado. É o que produz na pessoa as sensações mais fortes e controversas. Felicidade, ansiedade, tristeza, solidão. Tudo, na potência máxima e em um curtíssimo espaço de tempo. Você vivencia milhares de sensações diferentes em pouquíssimo tempo, sem sequer ter condições de apreciar devidamente uma, já sendo então jogado de cabeça em outra. Você sofre, ri, chora, canta, corre, enrubesce e o que mais for possível acontecer.

Melhor do que não saber que se gosta da dita pessoa e melhor do que saber que ela gosta de você. Os dias de incerteza que precedem uma resposta dela. Os momentos em que você vai juntando coragem para tentar se aproximar, imaginando o que de bom pode acontecer.

Ah, o imaginar. É neste momento, neste "crepúsculo" da paixão, após se passar pelo calor radiante do "dia" que fora toda a parte de se conhecer a pessoa e de se apaixonar por ela e, rapida e definitivamente, se entrar na noite aconchegante e tenra que é o saber que o sentimento é recíproco. Ou não. A noite pode ser tempestuosa e deprimente. Mas ainda assim, será a noite. O crepúsculo, o momento onde suas pernas tremem e os seus pensamentos têm dificuldade para afastar-se da sua amada será sempre o mesmo. E será sempre o meu momento favoríto.

Este crepúsculo, este meio-termo entre o descobrimento e a certeza, esses momentos de ansiedade descontrolada, que nos faz sentir vivos é, sem sombra de dúvida, a parte mais vívida da paixão. É o que faz a coisa toda valer a pena. E é do que você sentirá saudades depois que a paixão, consumada ou finda, já não lhe afetar mais.

Confesso que é dessa emoção que minha vida tem carecido. Por mais que eu passe um ano inteiro sofrendo depois, ainda assim, eu sinto falta dessas sensações. Talvez esta vontade incontrolável de querer me sentir em perigo de novo seja o que faça de mim um humano, não? A necessidade de se estar à prova. A incapacidade de se manter ausente por tanto tempo.

Ou talvez a simples certeza de que, por maior que seja a cicatriz que ficou, um ano é tempo demais para um coração ficar sem palpitar...