BILHETES LACÔNICOS
BILHETES LACÔNICOS
Manhã de domingo.
E bota manhã nisso! Algo em torno de umas sete horas,presumo,pois não havia um relógio por perto.
Heróicamente,enfrento uma ducha e enquanto aquelas cálidas (?) águas me percorrem,lembro-me de que preciso ir até o banco
sacar uns trocadinhos.Tomo a decisão de ir à pé.Uma boa caminhada,até porque a distância da minha casa até a agência bancária é de aproximadamente 8 km.
Ida e volta e terei percorrido 16 km.Faço esta fenomenal descoberta ainda todo ensaboado.
Café tomado,eu devidamente agasalhado;Meias grossas,jaqueta,cachecol,luvas,e...gôrro de lã. Não!...Pensando bem,o gôrro fica em casa. Vai que eu encontre alguma figura feminina pelo caminho? Não com êste gôrro ridículo! Atiro-lhe com menospreso na primeira gaveta que encontro.
Em que pese a cara não ser lá aquelas coisas,até que "os meus cabelos!" têm lá um certo charme. (Na minha concepção,é claro.Já o bom senso cochicha-me:Enxergue-se!).Então oferecerei os grisalhos caracóis ao sabor dos ventos uivantes do Sul.
Umas gotinhas de Polo,que é pra demarcar território,rsrs...,dou uma derradeira olhada no ambiente e vejo adormecidos os demais.No melhor estilo "garotão" penso cá com meus botões: "Galera!...Tô vazando...
Deixo um pequeno bilhete informando o destino tomado.Algo lacônico,porém,muito informativo:
"Fui ao banco...Tardo a voltar."
Chego ao portão.Meu cachorro me sorri latindo,não sem antes,de patinha traseira levantada,desenhar arabescos líquidos,imcompreensíveis pelo muro.Não lhe correspondo ao sorriso e fecho o potão atrás de sua carinha...Triste,agora.
Ainda no estilo garotão,mentalizo: "Fui!"
Embrenho-me nas brumas da manhã gelada e respiro uma paz enternecedora.Sinto-me único na cidade vazia e meus olhos aproveitam-se para sorver tôda nudez adormecida de suas curvas.
Um silêncio profundo,uma sensação de liberdade que vai brotando em cada pequeno detalhe.Um jardim aqui,um mensageiro dos ventos que soa ali,resíduos de lixo de uma noite na balada,enfim...
Os primeiros odores vêem das panificadoras.O pão quentinho,
o cheiro dos frangos rodopiantes no carrossel das câmaras de gáz. Sinto um desejo de assobiar...Seleciono algumas velharias de meu tempo.Por instantes sou "Credence" ,"Bee Gees","Beatles","Roberto",e quem mais vier.Assobio,internamente...mentalmente.Pessoas adormecem , e eu as respeito.
Vejo-me menestrel da manhã nevoenta.Sózinho,antes do primeiro bocejar da cidade nua. Um estranho gosto de alegria acompanha meus passos.Dançaria, se soubesse, um tango em plena rua molhada. A dama de vermelho haveria de surgir como num passe de mágica...Uma rosa prêsa entre os dentes e os lábios carnudos confundiriam-se ao rubro da flor. Piazolla seria uma imagem ilusória e seu bandoneon nos arrastaria na sensualidade de uma pista infinita agasalhada no expesso tule das neblinas de julho.
Eu, Hein?!...Acorda,rapaz!
Estou agora dentro da agência.Tento sacar,mas a telinha me informa de que o sistema está temporariamente fora do ar.
Tente mais tarde,obrigado!
Tudo bem! Voltarei mais tarde,voltarei amanhã...Ou depois,ou quando setembro vier!...Ora bolas! Dane-se o sistema,maas...Voltarei.
No meu retorno vou encontrando caminhantes.Alguns,velhos conhecidos,em suas trilhas matinais ávidos em livrar-se do colesterol,do triglicerídeo...E tantos "ol" e "ídeos" tão peculiares nesta gente da minha geração.
Chego em casa.
Frank,meu cachorro,ainda me sorri,e,mais...Emporcalha-me as calças na tentativa de mostrar-se medioso para comigo.
A casa está quieta.Sobre a mesa,um bilhete:Lacônico,porém,muito objetivo:
"Fui à missa.Vá adiantando o almôço".
Joel Gomes Teixeira