Pensares de um tigre chinês
Pensares de um tigre chinês
Acabo por me descobrir num dia qualquer de nossas vidas, um desses dias em que o ambiente se apresenta quase sempre chuvosos e sem muita graça, no qual acordamos mergulhados num poço escuro e estranho: esse poço, realidade nem é tão estranho assim, já que de costumeiro sempre nos pegamos conduzidos de volta a ele, a este envoltório angustiante tão nosso conhecido.
Então, quando isso acontece, faço-me sempre o questionamento do porquê de escrevermos melhor quando nos sentimos assoberbados, assacados pelo sentimento de incapacidade de resolver algo que persiste em nos incomodar, como se fosse um espinho cravado profunda e dolorosamente em nosso organismo.
Dou de barato que não deveria ser assim; que as idéias que nos impulsiona à criação deveriam nos fluir melhor quando o nosso estado de ânimo se encontrasse mais próximo do equilíbrio, nesse raro patamar a que costumamos dar o nome de Felicidade.
Tomo a liberdade de presumir que isso ocorre para dar razão aos pessimistas de plantão, quase sempre pintalgados em suas vestes domingueiras a caminho de suas muitas egrégoras, para aplacar a ira de um deus vingativo de nome impronunciável. Quando ponho o meu olhar na superfície de um desses seres exóticos sinto, diluindo dentro de mim, o imenso rochedo que até então percebia como sendo o meu cabedal de complicações. Esbarrar suas faces compungidas, recitando velhos manuais de sobrevivência, faz-me sair pressuroso de dentro do poço escuro de minhas reflexões com a agilidade mental de um tigre cheirando caça nova para seu almoço, tal o espanto que me causa verificar o afã com que muitos de nós nos deixamos prender, visgados como besouros na jaca a velhos e desgastados dogmas.
Nem vou ficar muito tempo retido nesta análise, dado que me falta argumentação pertinente para explicar o comportamento, ou o paradigma utlizado, de quem faz tal escolha de vida. Parto mais do que depressa para as lides de por na palavra escrita os pensamentos que me aporrinhavam, e dou muitas graças ao objetivo (ou alvo) que me fez largar de minha irritação com o ofício incerto de escrevinhador. Repetidas vezes digo que devemos estar sempre buscando aliar discurso e ação, para que consigamos colocar um mínimo de coerência em nossas vidas. Continuo firme nesta saudável e espinhosa profissão de fé, apenas mais alerta para as muitas armadilhas que nos aparece pela frente, fazendo tremular violentamente o frágil mastro da bandeira de nossas convicções.
Explico melhor: dificilmente aceitamos que somos parte de uma equação social, e que nesta equação, temos a nossa cota de responsabilidade. Assim, quando nos empenharmos numa determinada tarefa, devemos estar cônscios de quanto estamos dispostos a nos comprometer na execução da mesma, fazendo com que a tarefa chegue a um resultado que nos satisfaça. Todavia, o mais corriqueiro ecomum é que fiquemos a esperar que o Outro, ou o Destino (um Outro embutido em metáfora) resolva tudo prá nós, poupando-nos da maior parte do esforço exigido.
A depender de nosso grau de maturidade, costumamos imputar a esse providencial Outro a responsabilidade total pelo que de ruim ou desagradável venha a nos acontecer, quase sempre nos eximindo de participação nos resultados funestas do evento, dele sendo apenas vítimas, nos enclausurando na protetora síndrome dos coitadinhos.
Já, em contrapartida, quando acontece algo alvissareiro, colocamos pressurosamente os merecidos louros da vitória em nossas cabeças, elidindo, ou minimizando, a participação daquele mesmo Outro que antes execrávamos.
Apesar de muito engraçadas, dada a infantilidade contida nas mesmas, ações desse gênero nos leva a refletir, o que é muito promissor. Cobrar posicionamento do Outro é sempre muito mais fácil do que voltar o olhar para nós mesmos e ver que tido de expectativas criamos, e que tipo de ações executamos para validar tais expectativas
Vou fechar este mergulho de hoje dentro da minha selva interior, com uma reflexão que sempre me deixa mais tranqüilo quando me percebo acomodado nos meandros daquele meu conhecido poço, velho companheiro de longas jornadas: por maior que seja o problema que eu possa estar vivendo, este problema nunca poderá ultrapassar as dimensões do evento em que eu mesmo esteja contido.
Resumo da ópera: só fazemos aquilo que queremos, e quando achamos mais oportuno fazer o que queremos.
Vale do Paraíba, manhã da penúltima Sexta-Feira de Outubro de 2009
João Bosco