O Subsecretário Tuzzi detesta homens que escrevem.
O Subsecretário Tuzzi detesta homens que escrevem.
“Escrever é uma forma elegante de jogar com as palavras”; esta foi uma frase usada um dia por uma jornalista em conversa com este escrevinhador para defini-lo.
Fiquei com a imagem de um jogador de pôquer que, ao invés de portar cartas nas mãos (e algumas nas mangas do colete...) esgrime palavras: umas vezes ameaçadoramente, outras com tanta ternura que faz brotar torrentes de amor em peitos abundantes dessa matéria prima formadora do cosmo, pois não conseguaimos conceber a formação do Universo senão como um ato amoroso, um orgasmo além de qualquer definição possível. Mas, para explicar o longo a desta crônica, voltemos ao subsecretário Tuzzi e sua propalada ojeriza aos homens que tem o ofício de por no papel os pensamentos que esvoaçam em suas ricas mentes.
A razão do mal estar do nosso burocrata, pois o subsecretário fazia parte dessa casta que pulula nos gabinetes de governo, (e também nos das empresas privadas) era a sua esposa, a formosa Diotima, ser uma mecenas da cultura e, como tal, não aceitar muito passivamente que o relacionamento dos dois se conduzisse com a frieza característica do início do século XX. Ou seja: sem beijos ardentes, declarações apaixonadas e outras benesses que uma alma sensível julga como naturais. Tuzzi era um ferrenho partidário de uma relação de cortesia, eufemismo usado para encobrir uma indiferença cômoda existente na maioria dos casamentos, onde o ato de amor é apenas mais uma das obrigações que se cumpre a contragosto.
Quando a nossa heroína conheceu o poeta financista Paul Arnheim, o mundo tranqüilo do subsecretário começou a entrar em ebulição, já que Diotima tinha arroubos que levavam-na a beijar o seu marido na testa, ou a abraçá-lo com uma ternura inesperada, deixando o mirrado subsecretário cheio de desconforto. Em seu íntimo Tuzzi desconfiava que essa postura mais arrojada de sua mulher era influenciada pelos escritos de Arnheim, cheios da terrível praga da poesia.
Sou levado a concordar com a pouca, ou quase inexistente, boa vontade que o subsecretário Tuzzi tinha para com os escrevinhadores, visto que essa raça de ervas daninhas cultua o mau hábito de querer tornar a vida aqui neste planetinha muito mais agradável do que deveria ser.
João Bosco (Trazendo ao lume uma das várias peripécias contidas no livro “O Homem sem Qualidades” do austríaco Robert Musil.)
Rio de Janeiro, Dezembro de 2007