Eu estava tão cheia da imagem dos dois, sentados à beira da praia, que a distância, forrada de areia, se liquefez. Não precisavam ser jovens, não precisavam de nomes, tamanho ou cor. Precisavam se deixar ser o que eram: desfolhados arbustos; nus de corpos, dois quaisquer dois, ligados pelo mistério do encantamento. E o encantamento era o vazio do beijo, no beijo tomado e servido de olhos que não se viam e mãos que permitiam tocar outras mãos, esquecidas do que eram. E, nesse encantamento, nesse vazio, acumulavam tudo o que não cabia no beijo. Tudo o que era demais para um simples beijo, tudo o que não podiam tomar e ceder em um beijo. Desde estrelas até sonhos que ainda seriam sonhados.
Não viram o vento balançar à beira das folhas das amendoeiras, nem as folhas caírem no colo da rua à espera do acaso. Não viram as nuvens passando feito canoas brancas no azul oceano do céu, não viram o sol se pôr feito a boca de uma fornalha a engolir e queimar os últimos momentos do dia. Estava no beijo, o mundo onde viviam.
Um sorriso que passava ao largo me encontrou adejando sobre histórias antigas. Por sobre um universo de impressões doces, delicadas, macias e senti, naquele beijo, um cheiro antigo de felicidade, um gosto quase amnésico de afeto. Senti saudades de anjos, da cor rosa, de fadas e de querubins.
Sei lá por quanto tempo ainda fiquei ali. A noite apagou a imagem do casal e o mar sumiu dentro da noite. A luz artificial criou novas imagens, obscuras e disformes.
Era hora de me despedir de Deus e me encontrar com os homens.